A repórter Glauce Cavalcanti, do Globo, foi até Nova York participar do lançamento mundial do modelo HyperAdapt, da Nike, e fez uma reportagem mostrando o caminho que as marcas esportivas estão adotando. Chamado de lifestyle, essa estratégia quer se “aproximar do consumidor com experiências esportivas ligadas a um estilo de vida ativo e saudável”.
Ticiana (ao centro), com as amigas Bruna e Marcela, usa um aplicativo: “Ele te ensina a correr e incentiva”. Foto de Márcia Foletto/O Globo
Aplicativos e grupos de corrida, parte da maratona de serviços para atrair consumidor
Tênis com tecnologia para amortecer o impacto e transformá-lo em impulso. Chuteira com aderência extra para partidas sob chuva. São exemplos da especialização do mercado de artigos esportivos. Para ganhar a preferência do comprador, contudo, o jogo mudou. Serviços e experiências são a dobradinha no esquema tático para crescer, sobretudo numa economia em desaceleração.
A aposta é no que as marcas chamam de lifestyle. A estratégia é se aproximar do consumidor com experiências esportivas ligadas a um estilo de vida ativo e saudável. Clubes de corrida com treinadores ou empréstimo de equipamentos e aplicativos para ajudar no treino, compartilhar resultados ou preparar séries de exercícios são exemplos da maratona de serviços para envolver o consumidor, seja ele atleta ocasional, amador ou profissional.
— Saímos do mercado de massa e entramos no de nichos. É uma mudança de comportamento do consumidor, que quer produtos específicos para cada atividade. Isso exige inovação e criatividade das marcas. A experiência de uso e a de compra são importantes — explica Marcelo Prado, diretor do IEMI Inteligência de Mercado.
CONEXÃO BASEADA EM EXPERIÊNCIAS
A Nike, líder mundial no segmento de artigos esportivos, aposta todas as suas fichas em oferecer serviços para sua clientela. A conexão está baseada em experiências, entrando com fôlego no que Mark Parker, presidente e diretor executivo da companhia, chamou de “a era da performance personalizada”, na abertura de evento global da marca realizado ontem, em Nova York.
O pacote de inovações em produtos e serviços tem como principal destaque o novo Nike+, que servirá como plataforma de conexão para todos os aplicativos oferecidos pela marca. Avança em uma gama de serviços, como programas de treinamento personalizados, aulas, clubes de corrida, e amplia a experiência de relacionamento com a companhia, sobretudo em benefícios por fidelização e compra de produtos personalizados e exclusivos.
— Ter serviço sob medida para cada pessoa, treinamento por demanda. Pelo lado de serviços, é uma oportunidade digital de ficarmos mais próximos do consumidor, de entender seus desejos. Mas isso chega aos produtos, que se tornarão mais individualizados para garantir melhor desempenho ao atleta. O Nike HyperAdapt é exemplo disso. É um primeiro passo, mas é o futuro do esporte — explicou Trevor Edwards, presidente da marca Nike.
O HyperAdapt, com lançamento previsto para o Natal, é um tênis de corrida de amarração adaptável. Conta com um sistema que permite o ajuste do calçado ao pé da pessoa de forma automática.
‘ULTRAPASSAR LIMITES’
Edwards garante que a marca fará uma série de eventos de experiência para o período das Olimpíadas no Brasil, a exemplo do que já é feito com base na plataforma Vem junto, mantida pela marca:
— O Brasil é o mais importante entre os nossos mercados emergentes. Há poucos mercados no mundo onde as pessoas são apaixonadas por esportes como no Brasil. O Rio é “inspiracional”. Você vê pessoas praticando esportes em toda a parte. O país não é apenas um grande mercado econômico, mas “inspiracional”. Estávamos lá bem antes da Copa. E estaremos muito depois dos Jogos. Vemos oportunidades no longo prazo.
O uso de um aplicativo ajudou a empresária Ticiana Szapiro a tornar a corrida parte de sua rotina nos últimos dois meses:
— Ele te ensina a correr e incentiva. E uma das coisas mais bacanas é que você se incentiva e a seus amigos também. Tenho um grupo dentro do aplicativo e corremos juntos. Quando não dá, sei o quanto minha amiga correu, ela sabe o quanto eu fiz, acompanhamos os outros. Dá vontade de ultrapassar seus limites, fora a parte da saúde.
A Adidas, alemã que corre nessa briga como a segunda maior do setor de artigos esportivos no mundo, segundo a consultoria Euromonitor, está de olho no lifestyle. Em 2014, ano da Copa do Mundo no Brasil, a parceira oficial da Fifa ganhou fôlego extra e ultrapassou a japonesa Mizuno, marca da Alpargatas, ficando agora na cola da Nike.
Paulo Zilioto, diretor de conteúdo da Adidas Brasil, reconhece que, no ambiente de crise, é preciso ter estratégias e atividades mais criativas e de retorno eficaz e claro, que são traduzidas em serviços:
— Precisamos nos colocar em contato com o consumidor. A Runbase, por exemplo, é um serviço para o público, gratuito, que coloca um pé da marca na cidade, enquanto mostra nossos produtos — conta ele, destacando que, em ano de Olimpíadas, vem lançando campanhas com atletas que patrocina tendo cartões-postais do Rio ao fundo.
TENTATIVA DE APROVEITAR AS OLIMPÍADAS
A Runbase é uma base para treino de corrida, instalada na Lagoa no fim de 2015. A ideia é oferecer apoio: o usuário pode avaliar sua pisada e usar um tênis da marca emprestado para correr. Há também uma Runbase em São Paulo. No Rio, a marca reformou pistas de skate no Aterro do Flamengo e quadras de basquete no entorno da Lagoa.
No vestuário, a Adidas fechou parceria com a Salinas, de moda praia, para lançar uma coleção exclusiva de roupas de ginástica e que chegou às prateleiras em novembro. Esta semana, saiu a segunda coleção. É projeto no rastro do sucesso da linha criada com a Farm, carioca de roupas femininas e que garantiu vendas no exterior. Semana passada, a Adidas botou no mercado o Pure Boost X, tênis desenhado por e para mulheres.
A Mizuno, patrocinadora da Confederação de Judô desde 2007, está focada nas Olimpíadas, atenta à oportunidade especial para marcas esportivas.
— Os Jogos Rio 2016 casaram com o ano em que a nossa principal tecnologia em calçados esportivos completa 20 anos. Temos cinco novos modelos de tênis com a tecnologia Wave chegando ao mercado — conta Fernando Beer, diretor de artigos esportivos da Alpargatas.
A criação de um modelo de loja conceito e de aplicativos para ajudar na prática de exercícios, continua ele, estão nos planos da Mizuno a partir de 2017. Por ora, mantém a presença na realização de eventos de corrida, como a Uphill Marathon, em Santa Catarina, e patrocina duas assessorias esportivas para treino, a Run & Fun e a Ztrack.
Correndo por fora vem a americana Under Armour, que avançou de oitava para quarta maior do setor de artigos esportivos global entre 2013 e 2015. No Brasil há dois anos, estampa o uniforme do São Paulo e patrocina atletas do vôlei de praia como a dupla Talita e Larissa, além de Bruno Schmidt. Já conta com quatro lojas no país, com planos de abrir pelo menos mais três em 2016. O trunfo da corredora está no fato de ser uma marca de performance, focada em materiais especiais.
As marcas terão de suar a camisa para garantir resultados. Em 2015, segundo o IBGE, as vendas no varejo de vestuário e calçados encolheram 8,6%. Em calçados esportivos, os dados do IEMI mostram que a oferta caiu 8%, para 79 milhões..
— Não há estimativa de gerar mais vendas pelas Olimpíadas. As marcas estão trabalhando para ampliar a produção no país e diluir custos cambiais — explica Marcelo Prado, do Iemi.
(Colaborou Lucas Moretzsohn)
Iúri Totti é jornalista, com mais de 30 anos de experiência na grande imprensa, principalmente na área de esportes. Foi o criador das sessões “Pulso” e “Radicais” no jornal O Globo. Tem 13 maratonas, mais de 50 meias maratonas e dezenas de provas em distâncias menores. “Não me importo em ser rápido. A corrida só precisa fazer sentido, dar prazer.”