Espaço do atleta: relato de Ricardo Capriotti na Meia Maratona de Jerusalém

Não é todo o dia que se é convidado para correr em Israel, então é melhor começar a
procurar informações sobre a prova. E assim começou minha participação na Meia Maratona de Jerusalém, uma das quatro distâncias possíveis do programa oficial, a Maratona de Jerusalém. As outras duas são 5 e 10 quilômetros.
Ricardo Capriotti com a medalha da Meia Maratona de Jerusalém 2016. Arquivo pessoal
A maratona de Jerusalém é uma prova nova, está na sexta edição. É um desejo pessoal do prefeito da cidade – e maratonista – Nik Barkat. Em 2009, para comemorar seus 50 anos de vida, o político correu a Maratona de Nova York e se encantou pelo que viu. Decidiu que iria levar para sua terra uma prova parecida. Calçou o tênis e saiu pelas ruas da milenar cidade desenhando o percurso de 42.197 metros. Em março de 2011, o sonho virou realidade.
Capriotti e o prefeito de Jerusalém, Nik Barkat. Arquivo pessoal
A sexta edição da maratona, realizada no último dia 18 de março, reuniu 26 mil pessoas. Deste total, dois mil correram a distância cheia, quatro mil encararam os 21K e os demais se dividiram entre os 5 e 10 quilômetros.
Como disse no início, saí em busca de informações sobre a prova. Achei quase nada e basicamente em alguns sites estrangeiros. Minha maior preocupação era com a altimetria. Jerusalém está encravada no meio de um morro e entre três desertos.
Depois de fuçar muito, consegui um blog de um corredor americano que correu a maratona anteriormente e postou um gráfico do GPS dele. Me assustei, o desenho parecia um porco espinho, um sobe e desce sem parar. Não estava treinando subidas e o máximo que consegui durante a preparação foi subir uma vez a Biologia, tradicional ladeira dentro do campus da Universidade de São Paulo, durante o meu último longo de 21K. Sabia que era insuficiente, mas não tinha mais tempo.
Atletas em um dos trechos da Maratona de Jerusalém. Foto de divulgação
A largada da meia acontece às 6h45m e a maratona parte 15 minutos depois. Os primeiros 6 quilômetros são relativamente tranquilos com subidas e descidas suaves, passando pelo centro da cidade. A partir do sexto quilômetro aproxima-se de um dos lugares mais emblemáticos de Jerusalém, a Cidade Velha, local em que se concentram os maiores tesouros religiosos da cidade. A igreja do Santo Sepulcro, Via Sacra, Muro das Lamentações, estão todos ali reunidos em uma atmosfera indescritível, uma sensação única de se estar correndo em um lugar abençoado.
Como eu não conhecia o percurso e nem havia treinado para encarar aquele tobogã, larguei bem tranquilo, rodando a 5m30s por quilômetro. A temperatura de 8 graus estava perfeita para performance e, pela primeira vez na minha “carreira” de corredor, comecei a fazer um ritmo progressivo.
Do sexto ao décimo quinto quilômetros as subidas suaves se transformam em aclives mais longos e duros, nada assustador, mas desgastante para quem não sabe o que ainda viria pela frente. Correndo ao lado de judeus, cristãos, muçulmanos, é possível  observar um número menor de mulheres em relação às provas no Brasil e Estados Unidos, mas elas estavam lá, incluindo às que preservam as formas do olhar alheio correndo com saias que cobrem totalmente as pernas.
A prova ficou mais dura e meu pace continuava caindo. Um milagre. No dia anterior, nosso guia nos levou ao ponto mais extremo e mais alto da prova. Era o 15º quilômetro e daquele lugar era possível observar Jerusalém aos meus pés e o Monte das Oliveiras ao fundo. Visual maravilhoso.
Corredores em um dos trechos da Maratona de Jerusalém. Foto de divulgação
No dia seguinte, ao chegar neste ponto da prova e enxergar tudo do alto imaginei que teria seis mil metros da mais bela descida pela frente. Que nada. Dos 15 ao 17 era um  declive mesmo, mas do 17 ao 19 e do 20 até a chegada, subidas longas e matadoras.
Eu gosto de desafios, adoro subidas e por isso posso dizer que me diverti muito e adorei a prova, que é muito bem organizada e tem o dedo do prefeito-maratonista em todos os detalhes. Recomendo ir à Jerusalém se você já correu todas as provas planas que gostaria para pendurar seu melhor tempo na parede e está em busca de um percurso desafiador, uma atmosfera incrível e um país surpreendente. Jerusalém e Tel Aviv, as duas cidades que conheci, me impressionaram positivamente e espero voltar um dia.
Uma pergunta que respondi demais aos amigos: e a segurança? A resposta é que me senti mais seguro em Israel do que no Brasil. Há policiais por todos os lados, mas nada ostensivo ou intimidador, apenas o suficiente para mostras às pessoas que, sim, elas podem se apropriar da cidade para praticar a sua atividade física favorita e passar algumas horas – no meu caso foram seis dias – com a sensação de se estar em lugar abençoado.
E o melhor de tudo: para quem chegou sem nenhuma pretensão de tempo, imaginando fechar os 21K em algo em torno de duas horas, ao final do tobogã meu GPS marcava 1h43m44s. Mais um milagre de Jerusalém.”
Ricardo Capriotti, 49 anos, é jornalista esportivo e maratonista. Apresenta todos os domingos, 8h30m, o Fôlego, programa destinado à corrida de rua, na rádio Bandeirantes de São Paulo.

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Sobre Iúri Totti 1379 Artigos
Iúri Totti é jornalista, com mais de 30 anos de experiência na grande imprensa, principalmente na área de esportes. Foi o criador das sessões “Pulso” e “Radicais” no jornal O Globo. Tem 13 maratonas, mais de 50 meias maratonas e dezenas de provas em distâncias menores. "Não me importo em ser rápido. A corrida só precisa fazer sentido, dar prazer."

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