De volta a velha e boa rotina. Na minha frente uma relação gigante de pendências e ajustes para fazer no projeto que estou trabalhando, mas, com um sorriso no rosto e com muita tranquilidade, foi riscando cada uma delas, afinal… depois de completar as 100 milhas da Indomit Costa esmeralda… qualquer desafio ficou fácil!!
Eu sabia que a prova seria dura, mas não imaginava que seria tão cruel. Sim… a Indomit 100 milhas foi uma prova impiedosa, que nos testou ao limite! Dos quase 70 que largaram, apenas 10 concluíram, o que mostra como foi difícil essa prova. Difícil… porém elaborada com perfeição, com marcação impecável e staffs altamente preparados, o que mostra o alto nível de preparo da organização, que fez história com essa prova totalmente pioneira no Brasil.
A largada no cantinho da Praia de Bombas foi dada pontualmente às 14h. E eu estava feliz, cercada por amigos e rostos familiares. Tenho uma paixão por essas provas de longa duração, e admito que não sinto medo, ansiedade e nervosismo antes da largada. Minhas preocupações são em ter o equipamento todo arrumado e estar com saúde, e por isso, quando ouvi o som da largada, eu comecei minha jornada repleta de felicidade, agradecendo pela oportunidade de estar ali!!
De uma forma simplificada, o percurso se resumia em dar duas voltas. A primeira de 58km e a segunda de 100km. Minha estratégia foi focar nesses primeiros 58km e fazer com qualidade, para que eu pudesse ter uma “folga” maior na volta final, que eu já sabia que seria mais técnica. Minha prova era contra o tempo, já que tínhamos apenas 28 horas para concluir esse desafio!
Rosália em uma trilha das 100 milhas da Indomit Costa EsmeraldaCorrendo leve, com o tênis Ultra Trail, da The North Face, os primeiros 38km, até eu ter acesso a minha Drop Bag, foram tranquilos. Eu corria exatamente no habitat que eu gosto, com bastante alternância de pisos e altimetria variando levemente.
Os postos de abastecimento estavam localizados exatamente conforme foi disponibilizado no site, e a marcação do percurso clara e abundante… a situação ideal para que eu pudesse relaxar e fazer o que mais gosto… correr!! E foi abençoada pelo arco-íris mais lindo que vi na minha vida. Corri pela Praia do Mariscal vendo o dia anoitecer, lá pelo 48km… tudo perfeitamente como planejado.
Mas eu não podia imaginar o que estava por vim!! Lá pelo 75km, nós começamos a fazer as “alças” que seriam o grande diferencial em relação à primeira volta. Era noite e com uma chuva fininha. Não estava frio, e, entre as nuvens, surgiam inúmeras estrelas brilhantes e uma lua crescente, que parecia iluminar meu caminho cada vez que se destacava no céu. Olhando no gráfico, essas subidas de uns 400m de ganho de altitude pareciam inofensivas… mas… foram técnicas ao extremo.
E nesse martírio sem fim, escorregando, caindo e segurando em troncos de árvores, finalmente cheguei ao posto de abastecimento 3 (no Km 108), onde estava minha Drop Bag. Uma luminosidade já aparecia no horizonte e era hora de sentar e relaxar, trocar de equipamento, ver minha equipe… e manter a calma para seguir adiante. Meu marido dizia: “Para de reclamar!!”
Eu não conseguia!! Estava irritada porque o percurso simplesmente não permitia correr… de tão técnico que era… apenas caminhando era possível se locomover mata adentro. E eu estava preocupada com as 28 horas limites para terminar.
Um dia lindo surgiu. Eu, no 120km, ainda me sentia forte e conseguia comer com apetite! O relógio apitava a cada 45min e eu alternava entre um gel da Advanced Nutrition, um Energy Block e uma comida salgada (Batata Pringles e Tapi, do Amor ao Natural). Além disso, comecei a encontrar com os atletas que corriam os 50km, 100km e 80km… e que alegria a energia que cada um me passava. Nossa… como eu corria feliz!!! Até que …. perto do 132km… tinha uma placa da organização com uma seta para pegar a esquerda.
– Segunda volta das 100 milhas, pega a esquerda mesmo?
O staff sorridente me disse que sim. E lá eu fui junto com os demais atletas rumo a uma surpresa: um trecho de aproximadamente 4km por dentro de uma mata fechada, com um piso irregular e de muita dificuldade. Eu me perguntava a cada instante: como alguém podia pensar em fazer um percurso desses nos últimos 22km de uma prova de 160km?? Eu desabei. Minhas pernas estavam fracas. Meus dedos latejavam e eu comecei a andar… só que agora desanimada. Sentia as lágrimas rolando pelo meu rosto. Uma mistura de raiva com medo… será que eu consigo chegar?
Andei a Praia do Mariscal quase toda… Até que me juntei com um atleta dos 50km, um santo!! Jasiel me deu uma injeção de ânimo: “Você vai completar!! Você consegue”.
Voltei a sorrir. Voltei a trotar. E, quando pisei na Praia de Bombinhas, eu tive certeza que ia vencer aquela prova. Levantei as mãos para o céu e agradeci pela força que recebi. Pela energia que me acompanhou nessa jornada. Na minha cabeça vinham lembranças de momentos tão especiais junto ao mar. Parei por uns instantes e me molhei com a água salgada, que se misturou com o choro e, no final, quando vi já estava na Praia de Bombas. Logo ali… a meta de chegada!! Foram 27 horas de prova, com certeza a maior aventura da minha vida.
Rosália e a filha na linha de chegada da 100 ilhas da Indomit Costa EsmeraldaSegurei a mão da minha filha. Que alegria sentir aquela maõzinha tão delicada junto com a minha. Nós sorrimos e juntas corremos até pegar a faixa da chegada da Indomit com a certeza de que a força provém de uma vontade indomável!
Rosália de Camargo Guarishi
Iúri Totti é jornalista, com mais de 30 anos de experiência na grande imprensa, principalmente na área de esportes. Foi o criador das sessões “Pulso” e “Radicais” no jornal O Globo. Tem 13 maratonas, mais de 50 meias maratonas e dezenas de provas em distâncias menores. “Não me importo em ser rápido. A corrida só precisa fazer sentido, dar prazer.”