Espaço do atleta: relato de Fernando Nazário, vice-campeão dos 100km da Ultra Fiord

O ruído mental e a salvação do corpo
“Sabe o que eu gosto em sonhos? Podemos ser o que quiser! Assim, às 8h30m, com paz no coração e uma vontade enorme de correr na Patagônia pela sexta vez, larguei com os pés no chão e a cabeça nas nuvens.
Os primeiros 13km de prova foram duros, entre bosques e subidas. Estava em terceiro lugar, atrás de um canadense e o brasileiro Weliton. No Km 10, início da última subida forte, a neve começou a cair e de forma sutil, tocava o meu rosto com um leve sopro no ouvido, querendo dizer que aquilo era apenas o começo de um dos dias mais frios e tensos vividos no Ultra Fiord. Cruzar as montanhas de um grande glaciar com ventos muito fortes e uma nevasca não foi nada agradável.
O início deste trecho, tratei de colocar minha jaqueta impermeável, tampar minha cabeça e correr o mais rápido que pude. Minhas mãos começaram a congelar e não conseguia mais mexê-las, eram 10km cruzando uma nevasca de botar medo. Me recordo que durante a metade desta travessia, tirei o capuz do olho, olhei para aquelas imponentes montanhas geladas e falei: “vocês não querem nossa presença aqui hoje”. Tratei logo de sair daquele lugar. No bosque, a sensação do sangue voltando a fluir nas minhas mãos foi de uma dor muito forte, mas, de certa forma boa, pois estava novamente sentindo os dedos. Foram 25km de bosque, charcos, lama até o Km 50. Chegando lá, encontro o canadense saindo da barraca que continha nossos drop bags (sacos que tínhamos deixado com comida, tênis e meias secas para o último trecho). Entrei na barraca, tirei a meia e meus tênis molhados, estava a espera do meu drop bag, recebo a notícia que não ele estava lá (não encontraram). Nele continham uma mochila pronta e equipada com isotônico, gel, cápsula de sal, tênis e meias limpas. Tratei de recolocar minha meia molhada no pé e calçar os tênis sujos novamente. Enchi minha mochila com isotônico e peguei 3 chocolates e saí correndo logo da barraca em busca do tempo perdido e em terceiro lugar.

Um longo trecho correndo até o Km 80 e encosto no canadense, que parecia bem cansado. Ultrapasso ele e sigo até o próximo ponto de abastecimento. Reabasteço a mochila e quem me dá um tapinha nas minhas costas, o canadense… KKKKK. Pensei: mas ele não estava quebrado? Ressuscitei o caboclo. Saio eu correndo forte em busca de Weliton, que estava em primeiro.
Minha cabeça já estava pirando e minha mente debaixo de tanta neve que caia, não estava ajudando. Mesmo assim, tratei de tirar os pensamentos negativos e seguir o mais rápido que podia. Corri os últimos 5km com muita alegria, agradecendo por completar novamente essa competição mágica. Cruzei a linha de chegada dos 100km ainda com o dia claro em 10h49m, 11 minutos atrás do primeiro colocado, o Weliton, que fez uma prova brilhante e precisa.
Assim, como em toda competição extrema, tratei de compreender mais ainda a mente humana, que quando utilizada corretamente, será um instrumento magnífico pra conseguirmos completar qualquer desafio em corridas de trail ou rua, no trabalho, nos estudos e no convívio familiar. Porém, a utilização de forma inadequada poderá sabotar seus objetivos. O que torna ainda mais interessante, é que não é você que usa sua mente de forma errada, em geral você simplesmente não a usa! Ela que usa você! Esse é o ponto que devemos interpretar e corrigir imediatamente. Desta forma, iniciamos os delírios e pensamentos na forma de ruídos mentais, que atrapalham a performance trazendo o futuro para o presente, concentramos exageradamente na dor e nos afastamos do objetivo final.

Devemos buscar a consciência e perceber somente as coisas importantes que te levaram chegar até ali. Para que isso aconteça, devemos empreendê-las da forma mais correta possível, sem criar rótulos de imagens, palavras, julgamentos e definições sobre você. Estes fatos irão bloquear todas as relações verdadeiras existentes entre seu objetivo e seu estado atual.
Não podemos perder a oportunidade de aprendermos com nosso próprio corpo, com responsabilidade e segurança, chegar até o fim. Porque ao fazer isso, compreenderemos o verdadeiro significado da busca, respeitando sua própria força e a natureza.
Quero agradecer a Deus, a Vanessa pelo apoio diário e incondicional, a todas as pessoas que torceram por mim, meus pais, meu irmão, familiares e alunos. Agradeço a NIGSA e ao Ultra Fiord  por me proporcionar correr nesta natureza fantástica; meus patrocinadores MidwayLabs, Bananaboat, DrogaliderProvida e adidas Uberlandia, que participam de maneira crucial na realização destes objetivos
Muito obrigado a todos.”
Fernando Nazário

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Sobre Iúri Totti 1379 Artigos
Iúri Totti é jornalista, com mais de 30 anos de experiência na grande imprensa, principalmente na área de esportes. Foi o criador das sessões “Pulso” e “Radicais” no jornal O Globo. Tem 13 maratonas, mais de 50 meias maratonas e dezenas de provas em distâncias menores. "Não me importo em ser rápido. A corrida só precisa fazer sentido, dar prazer."