Após o britânico Mo Farah, de 39 anos, revelar, esta semana, que foi vítima de tráfico infantil quando tinha 9 anos, a Polícia Metropolitana de Londres afirmou nesta quinta-feira (14) que vai abrir investigações sobre o caso. Dono de quatro medalhas de ouro olímpicas e de seis em mundiais nos 5.000m e 10.000m, ele contou para a BBC que foi traficado da Somália para o Reino Unido quando era criança.
“Estamos cientes de relatos na mídia sobre Sir Mo Farah. Nenhum relatório foi feito neste momento”, disse, em nota, o departamento de polícia. “Oficiais especializados abriram uma investigação e estão atualmente avaliando as informações disponíveis”.
Mo Farah seria levado para Djibuti para viver com familiares
Nascido como Hussein Abdi Kahinna, em Somaliland, no norte da Somália, Farah contou que sua mãe teria permitido que uma mulher o levasse para Djibuti, país do leste da África, para viver com parentes. Mas o destino foi outro.
“A verdade é que eu não sou quem você pensa que eu sou. A maioria me conhece como Mo Farah, mas isso não é verdade. Eu fui separado da minha mãe e trazido para o Reino Unido ilegalmente sob o nome de outro menino chamado Mohamed Farah”, explica o cavaleiro da Ordem do Império Britânico, título dado pela Rainha Elizabeth II, em 2016, por suas conquistas no esporte.
Trabalho doméstico forçado
Até revelar sua verdadeira história, Farah dizia que tinha nascido em Mogadíscio, capital da Somália, e foi para o Reino Unido em 1993, aos 10 anos, com a mãe e dois irmãos para se juntar ao pai técnico de informática. Na realidade, mãe e irmãos sempre viveram em Somaliland, uma região separatista da Somália que não é internacionalmente reconhecida. Seu pai foi morto a tiros durante distúrbios na Somália quando Farah tinha 4 anos, segundo o documentário.
“Eu tinha todos os detalhes de contato dos meus parentes e, assim que chegamos na casa dela, a mulher tirou de mim. Bem na minha frente, rasgou e colocou na lixeira. Naquele momento, eu sabia que estava com problemas”, conta Farah. “Se você quiser ver sua família novamente algum dia, me diziam, ‘não diga nada'”.
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O bicampeão olímpico disse ter sido obrigado a fazer tarefas domésticas. Além disso, era ameaçado para não fugir e denunciar.
“Se eu quisesse comida, tinha que tomar conta das crianças, dar banho, cozinhar, limpar”, revela. “Muitas vezes, eu me trancava no banheiro e chorava”.
Esporte salvou Mo Farah
Na escola, Farah, com 12 anos, contou sua história para o professor de educação física Alan Watkinson, que procurou ajuda e conseguiu que uma família de somalis cuidassem dele.
“A única linguagem que ele parecia entender era a da educação física e do esporte”, diz Alan Watkinson, que, posteriormente, solicitou a cidadania britânica para Farah, obtida em 25 de julho de 2000.
Farah foi incentivado a contar sua verdadeira história por sua esposa e filhos.
“Na realidade não quero falar disso, porque tinha dito a mim mesmo que não falaria nunca, que isso ficaria enterrado dentro de mim”, declarou no documentário.
Farah, que nomeou seu filho Hussein como uma homenagem a sua verdadeira identidade, conclui: “Muitas vezes penso no outro Mohamed Farah, o menino que assumi a identidade naquele avião, e espero que ele esteja bem”.
Diante da revelação de Farah, houve receio que ele perdesse sua nacionalidade britânica. Mas o governo britânico já afirmou que nada vai acontecer, pois ele foi vítima. “Nenhum processo judicial será aberto contra Sir Mo Farah e sugerir o contrário é falso”, confirmou um porta-voz do ministério do Interior.
Alívio por contar a verdade
Farah disse, nesta quarta-feira (13) estar aliviado com o fato de o Reino Unido ter decidido não penalizá-lo.
“Estou aliviado. Para mim, aqui é o meu país”, afirmou ele. “Nenhuma criança quer estar nesta situação. Tomaram uma decisão por mim. Sou simplesmente grato por todas as oportunidades que tive no Reino Unido e orgulhoso de representar meu país como tenho feito”.
Sua mulher, Tania, afirmou que sentiu “tristeza” e “ira” quando soube da história da infância de Farah. Segundo ela, “o documentário foi uma forma de terapia para ele, que finalmente se permitiu sentir estes sentimentos de dor”.
Iúri Totti é jornalista, com mais de 30 anos de experiência na grande imprensa, principalmente na área de esportes. Foi o criador das sessões “Pulso” e “Radicais” no jornal O Globo. Tem 13 maratonas, mais de 50 meias maratonas e dezenas de provas em distâncias menores. “Não me importo em ser rápido. A corrida só precisa fazer sentido, dar prazer.”