Por Antônio Carlos Ferreira*. O resultado e o recorde mundial do queniano Eliud Kipchoge, em 2h01m09s, na Maratona de Berlim, no último domingo (25), foi tão estratosférico que quase não percebemos o quão fantástico foi o tempo da vencedora. A etíope Tigist Assefa fechou em 2h15m37s, a terceira marca mais rápida da história no feminino.
Aliás, a maratona tem uma história riquíssima desde a lenda (lenda?) de Fidípides, com data aproximada de 490 antes de Cristo.
A era “moderna” da maratona se inicia nos primeiros Jogos Olímpicos, em 1896, em Atenas, e o vencedor dos Jogos de 1908, em Londres, o americano John Hayes, com 2h55m18s, é considerado o primeiro recordista da prova.
Um dia já se comemorou o recorde de 2h30m na maratona
A prova londrina apresenta dois importantíssimos momentos do esporte. Pela primeira vez foi corrida a distância de 42,195km. A pedido da realeza britânica, o percurso foi alterado para permitir que os nobres assistissem a prova sem sair dos aposentos reais. Além disso, a foto do vencedor original, Dorando Pietri, que posteriormente foi desclassificado por receber ajuda externa na prova, é a primeira foto de esporte famosa do século. Pontuando que essa distância de 42,195km só foi oficializada em 1921.
Desde então muitas marcas simbólicas foram deixadas para trás.
Em uma evolução que não tem como ser constante, através dos tempos foram aclamados os sub 2h30m, 2h20m, 2h15m, 2h10m, assim como a primeira sub 3m/km, do “nosso” Ronaldo da Costa, em 1998, também em Berlim.
A expectativa hoje é de sub 2h
Hoje estamos na expectativa da primeira sub 2h oficial, dentro das regras. A única sub 2h conseguida foi alcançada em evento promocional, com diversas regras quebradas em prol do espetáculo.
Passamos por várias áreas de foco de pesquisas para a melhora das marcas: desde a tentativa de cientificidade dos treinos, passando pela psicologia e nutrição (suplementos e líquidos aqui incluídos) e aparentemente os modelos de tênis de placa já não estão recebendo tanta grana para as pesquisas e o foco parece que são as pesquisas para a recuperação de mente e corpo entre os treinos.
Podemos através do consumo máximo de oxigênio de cada fazer uma boa previsão para outras distâncias, sendo que além desse famoso fator, também temos eficiência, biomecânica e limiar de lactato, que é o máximo que você consegue correr perto, próximo ou mesmo além do seu limiar. Aparentemente, essas são as três maiores qualidades para se extrair o máximo da performance de cada um.
E o Eliud ganha 10 nos 3 quesitos.
Mas, unindo esses três quesitos na prática, ainda teremos de ter um quarto: uma imensa força mental que nos permita sustentar em agonia a prova, ou como dizem, “o psicológico”.
O Eliud também tem…
A grande diferença entre o psicológico e os outros três é que a força mental é mais difícil de se quantificar. É aqui que julgo onde está a maior força dele.
Três atletas podem baixar das 2h
Através do consumo máximo de oxigênio, podemos ter uma boa previsão de como você poderá performar nas outras distâncias. Mas é a mente que poderá te derrotar ou mesmo fazer com que você ultrapasse previsões e expectativas. Poucos atletas conseguem tão perfeitamente juntar esses quatro aspectos.
Fazer 1h59m58seg em tese, seria o equivalente a fazer 57m10s na meia ou 26m05s nos 10km ou 12m30s nos 5km.
Hoje, outubro de 2022, além de Eliud, temos mais dois atletas que podem pensar seriamente nisso: Jacob Kiplimo, de Uganda, de 21 anos, com 10km para 26m33s e meia maratona para 57m31s, e Joshua Cheptegei, também de Uganda, de 26 anos, com 26m11s (WR) nos 10km e 41min05seg (WR) nos 15km.
É difícil fazer uma previsão em termos de tempo de espera, mas, aparentemente, já temos um panorama ou contexto que nos permite sonhar em vermos a curto prazo a quebra de mais uma barreira.
E, claro, pode ser que em Londres ou Chicago nos próximos domingos apareçam mais candidatos.
Tempo abaixo de 2h deve acontecer em torno de três anos
Penso que seja mais realístico que isso aconteça em torno de três anos, um pouco mais ou menos, mas, embasados nas estatísticas e marcadores fisiológicos.
O ponto negativo de Eliud seria a idade em relação a Kiplimo e Cheptegei. Por outro lado, o queniano tem uma experiência que os outros dois não tem, além de ter sido forjado em uma progressão que, embora não seja obrigatória, tem lógica e bom senso: fazer boas marcas e ir progredindo para distâncias maiores.
É assustador pensar que ele fez 59m51s na primeira meia do último domingo, o que nos faz pensar que, ganhando um pouco mais de resistência, ele consiga. Mas como saber se ele está próximo de seu limite?
E se estiver, quanto seria?
Penso que isso será determinado pela força mental dele, que daqui não temos como medir, mas, será 2h01m01s ou 1h59m58s?
Qualquer que seja o tempo que Kipchoge faça antes de se aposentar, ele já é um marco no atletismo e no esporte, transcendendo, por méritos próprios, as fronteiras dos esportes e naçoes.
Quem não o admira hoje?
Bons treinos!!!!!!
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*Antônio Carlos Ferreira é treinador Categoria A Regional pela Confederação Brasileira de Atletismo e diretor técnico da equipe Mitokondria
Iúri Totti é jornalista, com mais de 30 anos de experiência na grande imprensa, principalmente na área de esportes. Foi o criador das sessões “Pulso” e “Radicais” no jornal O Globo. Tem 13 maratonas, mais de 50 meias maratonas e dezenas de provas em distâncias menores. “Não me importo em ser rápido. A corrida só precisa fazer sentido, dar prazer.”