Por Marcelo Gleiser, publicado na Folha de S.Paulo em 28/8/2016
Em maio de 2013, minha mulher, Kari, me propôs um desafio. Psicóloga, ela contou que uma de suas pacientes participou de uma corrida de obstáculos em Vermont, perto da nossa casa.
“Ela não conseguiu terminar, mas disse que foi incrível”, falou, com um brilho provocador nos olhos.
“Já inscrevi a gente para a corrida em setembro, a Spartan Beast”. Espartanos? Bestas? Não me cheirou bem.
Fora a física, sempre gostei de esportes, tendo até sido campeão brasileiro de vôlei jogando ao lado do Bernardinho. Mas isso foi há muito tempo…
Aos 54 anos, me limitava a correr, no máximo, uns 8 km ou uma meia maratona quando muito inspirado.
Consultei a internet. Vi os vídeos produzidos pela Spartan. Fiquei mesmerizado. Pessoas de todos os tipos, alguns muito em forma, outros completamente fora de forma, encarando corridas em terrenos íngremes, enlameados, salpicados de obstáculos que lembram um treinamento militar.
A filosofia de Joe De Sena, CEO da Spartan, é criar algo transformador. Existem outras corridas de obstáculos, mas nenhuma como a Spartan. A ideia é não só oferecer um divertimento acessível a todos, mas um jeito de viver que vai da alimentação ao treino em casa, nas academias e nos parques.
Comecei a treinar, sabendo que a “Beast” em Vermont era a mais difícil delas.
Pular paredes de dois metros, subir cordas, atingir alvos com lanças (afinal, são Espartanos), rastejar-se sob campo de arame farpado, subir colinas carregando pesos, tudo parece coisa de louco.
O ideal é correr, se possível em locais com ladeiras, achar barras em parques, fortalecer o abdômen, as pernas, os braços. Dizem que os atletas de elite da Spartan estão entre os mais completos.
Acredito nisso, dada a extensão dos desafios.
Minha primeira corrida não foi em Vermont. Escolhi uma mais curta, a “Sprint”, justamente a que será oferecida em São Paulo no dia 18 de setembro, e no Rio dia 23 de outubro, onde estarei correndo com Kari.
Na primeira vez, não sabíamos o que estávamos fazendo, mas nos divertimos muito. Vimos vários casais fazendo juntos, um ajudando o outro. Times de amigos rolando na lama às gargalhadas.
Essas corridas são um playground para adultos (para crianças também, meus filhos todos fazem), longe das ansiedades da vida cotidiana, em que desafios tanto físicos quanto mentais redefinem quem você é.
Como dizem nas corridas aqui, “você só vai entender na linha de chegada”. Esse tipo de corrida é uma grande metáfora para a vida.
Passados só três anos, as corridas Spartan redefiniram minha vida. Como me alimento, como treino, como me relaciono com meu corpo, minha disposição diária.
Não importa ser o melhor. O que importa é ser o melhor que se pode ser. Essas corridas fazem isso, elas redefinem seus limites.
Hoje Kari e eu estamos entre os melhores do mundo na categoria competitiva, fazendo entre seis e oito corridas por ano.
Entusiasmado, contatei Bernardo Fonseca, da empresa X3M Brasil, que topou começar a tribo dos Espartanos aqui. A esperança dele é que pegue no Brasil, como aconteceu nos EUA e Europa.
A filosofia dos Espartanos é que todo mundo tem um guerreiro dentro de si. As corridas são um mecanismo para acordá-lo.
MARCELO GLEISER, 57, é professor titular de física, astronomia e filosofia natural no Dartmouth College (EUA). Seu livro mais recente é “A Ilha do Conhecimento” (ed. Record).
Iúri Totti é jornalista, com mais de 30 anos de experiência na grande imprensa, principalmente na área de esportes. Foi o criador das sessões “Pulso” e “Radicais” no jornal O Globo. Tem 13 maratonas, mais de 50 meias maratonas e dezenas de provas em distâncias menores. “Não me importo em ser rápido. A corrida só precisa fazer sentido, dar prazer.”