Ano passado eu acompanhei a prova Mizuno Uphill Marathon, pois vários amigos participaram. Simplesmente me apaixonei pela Serra do Rio do Rastro (SC), principalmente por seu percurso e condições desafiadoras. Como corredora de montanha, a subida, inegavelmente, parecia uma diversão sem fim.
Assim, quando soube que as inscrições seriam realizadas em 21 de novembro de 2014, decidi que iria encarar esse desafio. Mesmo não tendo participado de nenhuma maratona anteriormente. Imaginei que oito meses seriam suficientes para me preparar, pois já havia realizado provas de montanha de até 21km. Entretanto, conseguir a inscrição não seria tão fácil.
Montei um grupo no WhatsApp com amigos próximos para me ajudarem. Em meio a atualizações de páginas, vi um comunicado no Facebook sobre um link para inscrição. Ok, acessei. A inscrição iniciou. Sentia um aperto no coração, medo de travar a página, e, enfim, a mensagem tão desejada: inscrição concluída. Certo, agora era “só” treinar!
Sofrimento com a panturrilha direita
Os treinos, contudo, foram difíceis. Tive várias problemas (cirurgia, lesão etc), porém, segui treinando e evoluindo. Afinal, havia tempo para me recuperar e não havia chegado às 12 semanas específicas. Porém, a vida não é um fluxograma e, com 14 semanas, iniciei com uma dor na panturrilha direita. Não doía para correr, mas, o pós-treino, inegavelmente, era sofrido.
Minha segunda subida na Serra do Rastro
Consultei com um médico clínico geral, tomei anti-inflamatório, fiz uma ultrassonografia e não parecia nada grave. Parei os treinos de corrida por uma semana. Ao retomá-los, a dor, no entanto, continuava. Procurei ajuda com o fisioterapeuta Cid Araújo. Iniciei um tratamento específico e pilates para fortalecimento. A dor na panturrilha melhorou, mas, entretanto, começaram a aparecer outras dores.
Um dia doía o tornozelo direito, outro dia o tornozelo esquerdo, nada contínuo, entretanto, cada treino tinha uma dor nova. Eu continuava com treinos de musculação. Ao mesmo tempo, tinha acompanhamento com endocrinologista e nutricionista neste período.
Gisely Blanc com a medalha da Mizuno Uphill Marathon 2015No dia 14 de junho, realizei meu último treino longo. Foram 23km com algumas subidas. No treino seguinte, senti dor na perna direita e parei. No dia seguinte a dor era insuportável. Fiquei sem correr por uma semana e marquei uma consulta com o ortopedista Marcelo Schiavon. Realizei uma ressonância magnética, que evidenciou um edema ósseo na tíbia. Diante dessa lesão, o doutor Marcelo questionou o que eu pretendia nessa prova. E eu prontamente respondi: “apenas concluir…”
Não conseguia imaginar em me preparar, focar em uma prova, fazer novas amizades (100 futuros ninjas do grupo do WhatsApp) e ter que desistir. Assim, ele me orientou a cessar a corrida por um mês, manter a musculação, fisioterapia, um aeróbico sem impacto e retornar a correr gradualmente nos 15 dias pré-prova.
Exercícios de fortalecimento
Mas como cou birrenta e, se havia a possibilidade de conseguir, eu deveria tentar… e foi o que eu fiz. Conversei com os amigos mais próximos, com o fisioterapeuta Cid e com o Guilherme Gularte de Agustine (DOC). Todos, enfim, me incentivaram e me apoiaram nos 45 dias que antecederam a prova.
Com orientação do Guilherme, eu passei a fazer uma hora de bicicleta e séries de agachamento diariamente. Mantive os treinos e musculação de 3 a 4 vezes por semana, orientados pelo Leandro Zampier; fisioterapia de 2 a 3 vezes por semana com o Cid. Na última semana, mais alguns exercícios de fortalecimento orientados pelo Fernando Bamberg. Além disso, a dieta com a nutricionista Larissa Cunha… ufa!!!!
Vocês devem pensar: essa brincadeira saiu cara, hein. E a resposta é: NÃO. Todos me ofereceram ajuda, sem custo algum, pois são amigos e incentivadores do esporte.
Duas semanas antes da prova, já liberada para retornar aos treinos de corrida, eu fiz dois trotes de 10 minutos na esteira e um outro, de 4km, no Pico do Jaraguá, em São Paulo. Neste momento, parecia que tudo estava dando certo. Senti que a musculatura estava ok, cardio ok, porém, no dia seguinte eu estava mancando.
Pensando nas palavras do Guilherme “melhor chegar destreinada do que lesionada…” Eu cessei a corrida novamente e, por insegurança, deixei para correr novamente apenas no dia 1º de agosto, às 16h30m.
Em Criciúma
Cheguei em Criciúma no dia 31 de julho, à noite. Encontrei os futuros ninjas (grupo do Whatsapp) para um jantar. Todos pareciam amigos de longa data. Neste momento percebi que fiz o correto em não desistir da prova. Conheci pessoas maravilhosas, tive abraços e palavras de incentivo que carreguei por 42km, e levei para o alto da Serra do Rio do Rastro. Enfim, chegou o tão esperado dia e o meu desempenho seria IMPREVISÍVEL.
Não havia certeza nenhuma… “será que vou concluir?”; “Será que vou passar dos 10km?” Eu apenas tinha consciência que deveria respeitar o meu corpo e parar se sentisse uma dor mais forte. Fiz uma estratégia de pace por km conforme a inclinação (elaborada pelo DOC). E, se não houvesse nenhum problema, seguiria ela até o final. Então, às 16h, do dia 1º de agosto, estávamos, finalmente, reunidos na largada. Coração acelerado, abraços apertados, desejos de boa prova…
Gisely Blanc, de camiseta preta, na largada da Mizuno Uphill 201516h30m, largamos. Fui controlando o ritmo, mas estava ansiosa. Amigos e conhecidos passando por mim, aos poucos fui me acalmando. A perna estava ok e eu fui seguindo a estratégia.
Aproximadamente, no Km10, consegui alcançar o Pablo Murillo. Estávamos no mesmo ritmo e seguimos juntos por bastante tempo. Nos distanciamos e nos reencontramos após o Km 24. Até o Km25, eu me sentia muito bem. Passei no Km 24 com 2h36m, depois disso comecei a sentir um desconforto na perna e passei a correr mais lenta e mancando.
No ponto de apoio do Km 30, eu parei. Tomei uma coca-cola, comi amendoim, barrinha de proteína, fui no banheiro, tirei fotos com a galera e segui (rs)…
O Km 30
A partir do Km 30, entretanto, ficou bastante difícil manter a corrida. Eu mancava muito, também sentia uma dor leve na virilha direita (contratura) e no pé direito (pé inchou e tive que soltar o cadarço do tênis). Até o Km 34 corri com o Pablo e com o Raphael Luna. Era um misto de trote e caminhada. Depois, o Raphael se recuperou e seguiu em frente. O Pablo também se recuperou, mas não quis me deixar para trás. Sentia minhas pernas travadas e o máximo que eu conseguia era uma caminhada rápida.
Olhávamos para cima e os postes de luz indicavam que ainda havia muita coisa para subir. Para completar o visual, era lua cheia. Ela estava linda, imponente e ajudando a iluminar a Serra.
A superação
De repente, olhei o relógio e já fechava os 40km, ufa!!! Faltava pouco, mas o Km 41 da Mizuno Uphill era o pior de todos. Me falaram que existia um “paredão” a ser enfrentado após o Km 30 de uma maratona, mas para mim ele só surgiu após o Km 40. Eu olhava o relógio e pensava que não daria mais tempo, brigava contra as pernas… Por que elas tinham que falhar naquele momento, justo comigo que adoro uma subida?!
E o Pablo, então, que eu havia acabado de conhecer, estava ali junto e se recusando a me deixar para trás mesmo que lhe custasse o título de “ninja”. No relógio, fechou 41km e logo encontrei o Rodrigo Rosini, que veio me resgatar nos últimos metros. Ele me incentivava, avisando que faltava pouco. Falou para eu trotar. Eu tentei, mas mancava. Voltei a caminhar, voltei a trotar novamente. Avistei meus novos amigos (grupo do WhatsApp) que aguardavam ansiosos. Assim, emocionada, mancando e chorando, passei pelo pórtico com 5h53m. Assim me tornei maratonista e, principalmente, ninja. Enfim, me superei.
A experiência que tive na Mizuno Uphill é, sobretudo, para toda a vida. Não me importo com o título de maratonista ou de ninja, mas sim com o aprendizado que eu tive. Aprendi que o meu corpo pode fazer qualquer coisa, mas a minha cabeça tem que compreender isso antes. Aprendi que a amizade, um abraço, um “você vai conseguir” e “vou com você”, fazem você superar 42km, 1.418 metros, 256 curvas, uma escuridão e uma perna lesionada.
Mais informações sobre a Mizuno Uphill
Obrigada a todos que estiveram comigo e parabéns a todos que decidiram encarar o desafio da Mizuno Uphill.
Iúri Totti é jornalista, com mais de 30 anos de experiência na grande imprensa, principalmente na área de esportes. Foi o criador das sessões “Pulso” e “Radicais” no jornal O Globo. Tem 13 maratonas, mais de 50 meias maratonas e dezenas de provas em distâncias menores. “Não me importo em ser rápido. A corrida só precisa fazer sentido, dar prazer.”