MAIS PERTO DA NATUREZA. Patagônia chilena, Parque Nacional de Torres del Paine, sétima maravilha do mundo, terceira Ultra Trail de Torres del Paine e eu.
Um dia antes da competição, que aconteceu em 25 de setembro, a natureza nos dá aquele presente. Dia ensolarado, com a possibilidade de visualizar todas as belezas naturais e as cores daquele lugar. O dia da competição foi igual, o que poderia ser um presságio para me mostrar ser possível conseguir duas vitórias naquele lugar… Esquece. É melhor não pensar muito, eu dizia.
Vamos pra largada. Como sempre aquele frio intenso, às 7 da manhã, aquela vontade enorme de sair correndo e sentir por meio do meu esforço um pouco mais de calor. Nesta 3ª edição e com seu terceiro trajeto diferente, e por saber que não sou tão rápido em provas de 50k, tratei de estudar toda estratégia de hidratação e alimentação baseada em tempos específicos e altimetria do percurso.
Diante dos competidores que estavam ali, uma das chances de chegar entre os 3 primeiros colocados era ser impecável na estratégia. Largamos às 8h10min, em um ritmo alucinante e eu em quinto lugar, muito rápido para o que planejava. Passamos os primeiros 10k abaixo de 42min. Eu queria extrair o meu melhor naquele momento. Meus adversários em suas condições essenciais seriam meu referencial para que eu fosse em busca do meu melhor. Isso não significaria vitória a qualquer preço, mas sim a busca do ser humano em dar o melhor de si em total harmonia com a natureza que me cercava.
Corri em 5º lugar, visualizando o quarto e terceiro bem próximos. No km 15, com aproximadamente 1h04min, fui o único que se hidratou e abasteceu a mochila com isotônico, pois sabia que o próximo ponto era apenas no km 27. Pela experiência que tenho nesta região da Patagônia, não ter uma estratégia bem definida pode custar caro para completar a corrida ou almejar posições no pódio. Segui como tinha planejado, me hidratando, no máximo, de 20 em 20 minutos, com aproximadamente 150 a 200ml de isotônico ou água, 1 gel de carboidrato a cada 30 minutos e 1 cápsula de sal a cada hora.
Passei pelo Km 20 com 1h31min e, próximo do km 25, encosto no chileno Emmanuel (2º colocado) e pergunto se ele precisava de algo. Ele me disse que queria água. Entreguei minha garrafa de isotônico em suas mãos e falei que poderia ficar com ela por toda corrida.
Continuei correndo forte e agora em segundo lugar. Chego ao Km 27 para abastecer minha mochila. Neste momento, vejo o brasileiro Pablo em primeiro lugar. Saio bem próximo e rapidamente consegui encostar nele. Juntos, fomos até o Km 30 com 2h39min, quando iria começar o longo trecho de subida até o Km 45. Nesta hora me senti bem e comecei a impor meu ritmo na subida, com toda força, sem descuidar da alimentação e hidratação.
No final da subida, a natureza nos prepara uma linda paisagem; lagos escondido com patos nadando e pássaros voando no alto da montanha. Essa energia me encheu e a certeza que minha esposa estaria de braços abertos me esperando na linha de chegada fez com que eu fizesse toda a força, superasse toda dor com das câimbras finais, sem olhar pra trás.
A poucos metros do fim me recordo de conversar com Deus e, novamente em um momento único de devoção, agradecer o presente e perguntar, com os olhos cheios de lágrima, o que Ele quer me ensinar novamente? Agradeci a todos pela energia que me enviavam e pela torcida dos meus alunos, amigos e familiares que acreditam mais em mim do que eu mesmo. Acreditei, lutei e busquei meu bicampeonato em terras patagônicas com 53km em 4h48min.
Recebi o abraço que esperava da minha esposa e o carinho de todos que estavam ali. Com meus pés firmes no chão e, naquele momento com a alma leve, coração em paz e a cabeça nas nuvens, eu havia conseguido. Não menos feliz pela vitória, mas radiante por saber que chegar até ali vale mais a pena que qualquer pódio. Fiz uma competição sem julgamentos, pois se eu conheço toda grandeza da natureza e junto à ela critico a todo o momento minhas fraquezas, retiro de mim o poder do aprendizado superior. Mas quando penetro profunda e amorosamente em suas boas qualidades, eu assimilo essa força e, assim, busco esta energia para correr cada vez mais rápido e em paz. Muito Obrigado a todos pela energia.
Fernando Nazário, apenas um corredor que corre.
Iúri Totti é jornalista, com mais de 30 anos de experiência na grande imprensa, principalmente na área de esportes. Foi o criador das sessões “Pulso” e “Radicais” no jornal O Globo. Tem 13 maratonas, mais de 50 meias maratonas e dezenas de provas em distâncias menores. “Não me importo em ser rápido. A corrida só precisa fazer sentido, dar prazer.”