Minha última ultra acima de 100km havia sido em 2016, onde fiz os 100km da Patagônia Run, na Argentina. Desde então venho fazendo provas que beiram os 50km (42km, 50km, 65km etc..), a maioria de trail, cheguei até a me inscrever para uma prova de 80km mas, por problemas climáticos, a prova foi reduzida para 50km.
No início de 2018 resolvi que gostaria de fazer uma prova de 100km ou mais, porém, no primeiro semestre não “encaixou” nenhuma prova no calendário e já estava agendada a viagem para fazer o ML Ultra Camp no Colorado, Estados Unidos, onde fizemos, em 10 dias, 200km com 10.000m de ascensão positiva. Quando retornei do Camp, tive uma espécie de “ressaca” de corrida, talvez, por ainda não ter uma prova alvo.
Amigos da assessoria já estavam inscritos para fazer a Ultra dos Anjos Internacional (UAI), em diferentes distâncias e acabei me animando para ir junto com o grupo (viagem em grupo é sempre divertida) e aproveitar para criar a tal prova alvo acima de 100km. Isso com um mês e meio antes da prova. Me inscrevi para 135km sem apoio (essa prova pode ser feita nas modalidades sem ou com apoio), pois ainda não tinha uma equipe para me ajudar.
Cerca de duas semanas antes da prova, os amigos Rodrigo Richard e Ilson Junior se prontificaram a me ajudar e, prontamente, aceitei. Providenciei o ajuste da modalidade junto à organização da prova de 135km Solo com apoio.
Carlos Fróes com seu staff: Rodrigo Richard e Ilson Junior
Na semana da prova, tratei de preparar a logística: carro que serviria de apoio, alimentação e hidratação para mim e para minha equipe de apoio, afinal, passariam umas boas horas me ajudando e precisam se alimentar também.
Chegado o final de semana da prova, parti para Passa Quatro, local de largada da prova em Minas Gerais, para pegar kit, assistir ao congresso técnico (sempre importante) e entrar cada vez mais no clima. Encontrar com outros corredores, trocar ideias e desejar boa prova. Muito bom esse clima.
Chega a hora da largada, 8h de sexta-feira (29/6). Estava claro e um pouco frio. Já no “curral” de largada, atletas alertando que no ponto mais alto da prova, cachoeira dos Garcia, tinha uma previsão de temperatura abaixo de zero durante a madrugada. Bom para pensar nos agasalhos que usaria para subir.
Na conversa com o amigo Breno Braga, que faria 235km, da mesma assessoria que a minha, decidimos ir no mesmo ritmo os primeiros 25km, onde o carro de apoio não poderia ir. O ritmo encaixou tão bem que fomos conversando e chegamos tranquilos no Km 25, em Itamonte, primeiro ponto de controle da organização.
Carlos Fróes (à esquerda) e Breno Braga na Ultra dos Anjos Internacional
Durante o caminho decidimos continuar no mesmo ritmo até onde conseguíssemos, pois estávamos muito à vontade. E assim fomos.
No trajeto até o próximo ponto de controle, Km 65, na cidade de Alagoas, pegamos uma subida interminável de aproximadamente 25km, a maioria no asfalto, onde os últimos 4km eram bem íngremes, até a chegada no topo, aproximadamente no Km 45. Subiu? Agora desce… A descida também era a mesma inclinação da subida, porém, com terreno mais acidentado e com pedras… A essa altura, o tornozelo e joelho já começavam a ficar castigados. Mesmo assim continuamos em um bom ritmo até o Km 65. Mais uma parte da prova vencida. Agora partimos para o Km 95, em Aiuroca. Nos alimentamos e fomos.
O trecho de Alagoa até Aiuroca é menos complicado que os dois primeiros, onde encontramos estradas de terra, fazendas, subidas e descidas, mas nada absurdo, mesmo assim, já com as pernas cansadas, o ritmo não caiu muito (só um pouquinho). Nesse pace chegamos em Aiuroca no início da noite, último ponto de controle antes da famigerada subida da Serra do Papagaio, que nos levava para a Cachoeira do Garcia.
Nesse ponto comemos algo mais substancial, nossa equipe de apoio nos preparou macarrão (bom demais), e então nos preparamos para subir… Agasalho, mochila de hidratação, comida extra, lanterna etc… A partir dali, o pacer é extremamente recomendado, pois o carro não poderia mais nos acompanhar. Eu, Breno e Rodrigo Richard começamos a subir… A lua cheia já começava a iluminar o caminho e o sofrimento começou… Foram aproximadamente 13km de uma subida interminável bem inclinada e fazendo muita força.
No Km 100, Breno, que sobe muito forte, foi na frente e eu fiquei para trás. No ponto de controle da Cachoeira dos Garcia, tinha uma sopa deliciosa, que poderia ser comprada pelo atleta para se aquecer e alimentar… simplesmente sensacional. Quando cheguei nesse ponto, o Breno já estava saindo (já tinha comido) e eu entrei para comer, fazer o checkpoint e sair.
Se eu já reclamava da subida… A descida era íngreme, doída, com terreno com muita pedra solta, pedras escorregadias, no escuro (pra mim que enxergo mal é pior ainda) – o Rodrigo me ajudou bastante nesse quesito também.
Descida que parecia interminável e, quando achava que estava acabando, vem uma subida bem inclinada. A essa altura já nem reclamava muito da subida e sim na previsão da descida, pois já pensava: “Ai minhas pernas e joelho”, mas…. Continuamos firme.
Na saída no trecho da Cachoeira dos Garcia, encontramos nosso carro de apoio. Único carro parado com pisca alerta ligado no meio da escuridão. Aproveitamos para deixar a mochila, beber água e seguimos. Não sei o que me deu, mas comecei a correr mais forte (acho que era vontade de chegar), principalmente quando avistamos as luzes do Breno e de seu pacer Mateus Teixeira. Corremos para alcançá-los. Quando avistamos mais de perto, verificamos que o primeiro colocado dos 135km estava junto deles. Não pensei duas vezes e acelerei para aproveitar que ele estava caminhando e fui em um ritmo forte até a chegada, com o medo dele me passar.
Resultado: fui o primeiro atleta do 135km a terminar a prova, em 17h15m, recorde da prova de 135km e o segundo atleta a passar por ali, perdendo apenas para o atleta dos 235km, que já havia passado e bateria o recorde da prova de 235km.
Carlos Fróes com o troféu de campeão da UAI Hard 135km
Não tenho como deixar de agradecer ao treinador Manuel Lago, da ML Mix Run, pois, acreditou que eu poderia fazer essa prova mesmo com um tempo curto, agradecer a Ilson Junior e Rodrigo Richard, minha equipe de apoio, que foram espetaculares durante todo o percurso. e ao Breno por fazer com que o trajeto ficasse muito mais agradável correndo ao meu lado, mesmo que isso parecesse um ritmo mais forte para a prova dele.
Em 2014 fiz a prova de 235km da UAI em dupla com o Ilson Junior. Em 2018, fiz a prova de 135km Solo. Será que um dia faço os 235km Solo? Nunca digo “Dessa água não beberei”, mas hoje ainda me parece distante, mas quem sabe? Rsrs
Carlos Fróes
Iúri Totti é jornalista, com mais de 30 anos de experiência na grande imprensa, principalmente na área de esportes. Foi o criador das sessões “Pulso” e “Radicais” no jornal O Globo. Tem 13 maratonas, mais de 50 meias maratonas e dezenas de provas em distâncias menores. “Não me importo em ser rápido. A corrida só precisa fazer sentido, dar prazer.”