O projeto El Cruce começou com um e-mail que recebi uma semana após a maratona do Rio:
– Nega, você já viu essa prova?
– Sim, e é um sonho, e por mais que eu me jogue por esse mundão sozinha, para correr, essa eu só vou com um amigos. Três dias acampada nas montanhas sem uma carinha amiga não rola.
– Mas eu estou perguntando se você topa. Sei que é doida.
– Bem eu estou focando uma outra prova, mas quando é que terei uma outra oportunidade de companhia!? SIM! Eu topo.
E assim foram nossos sete meses de planejamento, desistência, treino, tensão, trocentos e-mails até a realização dessa ultra dos sonhos (que aconteceu entre os dias 11 e 14 de fevereiro, nos Andes, entre Argentina e Chile, com uma distância de mais de 100km e participação de 1.500 atletas de mais de 25 países). Montei minha planilha, já que não participo de equipe. Pesquisei, conversei com ultras e com quem já havia feito. Colhi e absorvi todas as informações e fui com tudo para os treinos.
Quem vai para o El Cruce achando que Bombinhas Indomit ou XCBúzios é difícil não sabe o que espera. É só montanha. A largada é na trilha. Nada do que nós “estudamos” caiu. rs… O tempo de corte também pega. Para a categoria que nos inscrevemos é baixo (avançado solo). No último dia, o mínimo que poderia ter acontecido era perder os dedos das mãos por conta do frio e vento (50 km/h), na Cordilheira. Chorei, mas deu tudo certo.
O El Cruce é uma Ultra de 100km dividida em três dias. Com largada na Argentina vai até o Chile e volta, geralmente pela área da Patagônia. Todo ano o percurso muda. É uma prova muito dura. Você corre, corre, corre e quando vê ainda está no km 12, não é fácil.
No terceiro dia todos estão andando de lado por conta das dores. É o dia que o coração vai na frente. Segundo o que conversei com os veteranos ultras que conheci na prova, o El Cruce é a Ultra mais organizada do mundo. É incrível como tudo funciona: tempo, horário, alimentação, os stafs são de uma educação sem fim. Chega ser surreal.
Ouvi uma frase no camping que foi bem real: “O El Cruce é a corrida em que você leva sua alma pra correr” – já que ficamos sem sinal de internet, luz, água… dependemos o tempo todo da natureza. O contato o tempo todo com os corredores, as amizades, o olho no olho, a parceria, os papos, as risadas, os “causos” de corredores, o acampamento…. foi um sonho possível e perfeito.
Enfim, foi doido. Foi doído. Foi sofrido. Foi lindo. Foi mágico. E como eu sempre digo: correr é o maior barato em todos todos os sentidos.”
Iúri Totti é jornalista, com mais de 30 anos de experiência na grande imprensa, principalmente na área de esportes. Foi o criador das sessões “Pulso” e “Radicais” no jornal O Globo. Tem 13 maratonas, mais de 50 meias maratonas e dezenas de provas em distâncias menores. “Não me importo em ser rápido. A corrida só precisa fazer sentido, dar prazer.”
