O ultramaratonista carioca Mauro Chasilew disputou, em novembro, a Mt. Gaoligong Ultramarathon, na China, com 36 horas sem parar. Agora, ele, que no último fim de semana participou da Brazil +135 Ultramarathon, em Minas Gerais, conta como foi a prova chinesa.
Você gosta de provas longas? De ultramaratonas? Gosta das montanhas?
Então… TEM que ir para a China, para a Mt. Gaoligong Ultramarathon!
Explico: A China é um outro mundo. A experiência é muito interessante e instigadora. Comer, se comunicar, se deslocar. Ver paisagens e construções de tirar o fôlego. Visitar a história do país. Devo confessar que a China não estava na minha lista de roteiros de viagem. E vou fazer outra confissão: foi muito mais maneiro do que eu podia esperar! Desde minha chegada a Tengchong até a partida tive uma sucessão de ótimas surpresas.
Entrei na China pelo aeroporto de Kunming e, em seguida, voei para Tengchong. Minha expectativa era encontrar alguém me esperando com uma plaquinha com meu nome. Não tinha plaquinha. Em vez disso, ouvi meu nome! Era a Zoe, da organização da prova, que estava me esperando para me levar para o hotel.
Logo após minha chegada ao hotel fui recebido pelo simpático Chris Kostman, diretor da famosa BadWater, ultramaratona de 217km (135 milhas) no Vale da Morte, na Califórnia, prova que corri em 2009. Ele é também o co-diretor da Mt. Gaoligong Ultra.
Conheci outros atletas que iriam correr a prova, e jantamos todos juntos. A comida certamente é uma das experiências mais marcantes da viagem. Precisa abrir um pouco a mente e experimentar novos sabores. E mesmo vegetarianos ou veganos terão incríveis experiências.
No dia seguinte, resolvi dar uma corridinha para aclimatar e tirar o ranço da longa viagem. Saí por volta das 6h40. Ainda era noite fechada, pois, em novembro, ainda amanhece por volta das 7h30. Ouvi uma música ao longe e resolvi ver o que era. Vi uma cena típica de filme: uma praça com uma galera praticando Tai Chi Chuan, incrível e inesquecível. Parei minha corrida e fiquei ali parado, admirando a cena que parecia ter milhares de anos.
Durante o dia, fizemos uma visita turística até a região da chegada da prova e também a um centro de águas termais. À noite, fomos a um show sobre a história desta região.
Entre os corredores estava Bob Becker, um americano de 71 anos, que ficou emocionadíssimo, já que seu pai era aviador durante a Segunda Guerra Mundial e tinha participado de batalhas exatamente naquela área. Ele dizia que olhava para cima e lá estava seu pai, voando pelos céus.
Mauro e o americano Bob Becker
No dia seguinte, visitamos um vilarejo ancestral e mais tarde, finalmente… o briefing da prova. Isso nos pegou de surpresa. Ninguém podia esperar aquela grandiosidade. Um kit de prova com muitos produtos e de excelente qualidade.
Um profissionalismo muito grande e um enorme cuidado com a segurança dos atletas: foram quase 130 médicos e outros quase 130 resgatistas, além dos incansáveis e gentis voluntários, que procuravam nos ajudar em tudo.
Mais tarde, um jantar de boas-vindas com atletas, organizadores, patrocinadores, membros do Comitê Olímpico Chinês e o que parecia uma comitiva da Ultra do Mont Blanc. Voltamos para o hotel para terminar de preparar a mochila e os equipamentos. Cada corredor poderia colocar os equipamentos extras e tralhas que quisesse em duas bolsas que seriam encontradas em pontos determinados pela organização. Nós seríamos monitorados por um localizador GPS Spot, preso em nossas mochilas e uma pulseira com chip para marcar a passagem pelos PCs.
No dia seguinte, pela manhã, a largada! Um momento único, com um locutor vestido à caráter, fazendo uma apresentação de cada corredor bem ao estilo UFC!
E a prova foi mostrando a sua beleza e dureza. 168km pelas montanhas, em até 36h, com horário de corte em todos os PCs. Um sobe e desce danado, acumulando 8.800m para cima e praticamente o mesmo em descidas. Trilhas técnicas, estradas de terra e todo tipo de terreno garantindo diversão para todos os gostos. Um sol de rachar durante o dia, esfriando bem durante à noite.
Talvez por causa do calor, tive enjôo e náuseas que fizeram com que eu não conseguisse comer praticamente nada. E, mais fraco, fui ficando mais lento.
Os PCs eram um show à parte. Enquanto voluntários cuidavam para que nada nos faltasse, a população nos saudava e apresentava danças folclóricas, com muita alegria.
No PC6, com cerca de 64km de prova, podíamos optar por seguir em percurso mais curto, com 124km. Escolhi seguir na prova longa, sem perceber que não conseguia evoluir tão bem quanto esperava. Assim, no km 98,8, estourei por alguns minutos o horário estipulado para passagem naquele PC e tive que largar a prova. Lógico que eu gostaria de ter terminado a corrida. Mas dessa vez não deu.
Foi um incrível aprendizado que segue com um gostinho de quero mais. Espero poder voltar em breve e viajar um pouco mais pela China. E completar a Mt. Gaoligong Ultra!
Se anima? Vamos?
Iúri Totti é jornalista, com mais de 30 anos de experiência na grande imprensa, principalmente na área de esportes. Foi o criador das sessões “Pulso” e “Radicais” no jornal O Globo. Tem 13 maratonas, mais de 50 meias maratonas e dezenas de provas em distâncias menores. “Não me importo em ser rápido. A corrida só precisa fazer sentido, dar prazer.”