Espaço do Atleta: O filme de terror com suspense de Luiza Fellipa Marques na Maratona de Boston

Luiza Felipa com a medalha da Maratona de Boston
Luiza Felipa com a medalha da Maratona de Boston

“Já fiz 11 maratonas, 5 ultras, tanto no asfalto quanto no trail, já passei por diversas dificuldades em provas, mas NADA se comparou com o que vivi na Maratona de Boston… chuva o tempo inteiro, muito frio e ventos fortes!

Fomos todas juntas pegar o ônibus da organização para ir para a largada da prova (na cidade de Hopkinton). Foi muito legal, pois conseguimos juntar essa brasileirada que estava solta aqui em Boston (só corredoras sinistras) e nos unimos.

Fomos bem agasalhadas para a largada, pois esperaríamos em torno de 1h45m por lá.
Chegamos na vila dos atletas, lugar onde todos aguardam ser chamados para suas ondas (largada de acordo com o índice que você fez). Era só lama! De início, já estávamos com os pés encharcados, lameados e quase congelados… tenso!

Larguei de casacão mesmo e mais adiante joguei no canto da pista (eles pegam para doação). Até os 10km foi tudo relax. Eu e Vanessa Fonseca correndo juntas e nos divertindo, batendo papo. Estávamos felizes, pois o vento nem estava forte como era esperado (doce ilusão), mantendo o pace de 5m/km tranquilamente e baixando para 4m50s/km nas descidas como o planejado.
Antes dos 20km, o bicho pegou pra mim. Estava sentindo muito frio. Meus pés, pernas e mãos estavam congelados. Não conseguia nem falar direito. Comecei a perceber que em alguns momentos o meu raciocínio estava bem confuso, estava meio desnorteada e logo voltava ao normal. Isso aconteceu várias vezes. Ter o apoio e o incentivo da Van neste momento foi fundamental! Fiquei muito preocupada e tensa, pois nunca tinha passado por isso, mas sabia que era sinal de princípio de hipotermia. Em alguns momentos achava que ia simplesmente apagar ali e não conseguiria completar a prova. Tive medo disso! 
Nessa altura eu não queria mais saber de pace e tempo. Só pedia a Deus para me ajudar a cruzar a linha de chegada e completar a prova. Consegui acompanhar a Van até o Km 27. Falei para ela ir, pois precisava segurar o pace. Estava difícil controlar o corpo, mal sentia as minhas pernas!
Após o Km 27 corri sozinha. Dosei o ritmo e alternava o pace dependendo de como estava me sentindo. Se o ritmo caísse muito, mais frio eu sentiria. Não havia muito o que fazer naquele frio, com aquela chuva (que não parou por um minuto) e com ventos para dar uma piorada na sensação térmica. Não podia perder a fé de que eu conseguiria terminar a prova.
Até para tomar os géis de carboidrato ao longo da prova foi difícil! Além da luva atrapalhar, a dificuldade em mexer as mãos era grande por causa do frio. Cheguei a parar em dois momentos e pedir para um desconhecido que assistia a prova me ajudar a tirar o gel do cinto. Ficar sem repor energia seria uma péssima escolha!

Ô sufoco!

A partir do Km 30, a torcida aumentou muito. Me emocionei com tanta gente ali naquele tempo horroroso, gritando loucamente e incentivando cada um dos corredores que passavam. Lá pelo Km 32 desabei, continuei correndo mas chorando muito, não pelo cansaço, mas por desespero mesmo. Não suportava mais me sentir congelada debaixo daquela chuva que tinha ficado ainda mais forte. Eu só queria chegar!!!
Após a choradeira, fiquei mais tranquila. E toda aquela torcida me energizou para seguir em frente.

A insegurança e o medo de não terminar a prova foram meus companheiros. Só tive a certeza que iria cruzar a linha de chegada faltando uns 4km para completar a Maratona.
E foram intermináveis esses 4km…

Faltando só 2km, consegui colocar de volta um sorriso na cara e fui… Estava feliz, pois faltava pouco para alcançar o grande objetivo e cessar todo sofrimento.
Nunca senti um alívio tão grande ao cruzar a linha de chegada!
Fechei a maratona em 3h52m41s. Muito acima do planejado (3h30m) e pior que no ano passado (3h45m) que nem estava muito treinada como estou hoje (foi minha segunda vez na Maratona de Boston).
Luiza Fellipa na chegada da Maratona de Boston
A maratona no ano passado também foi atípica. Um dia antes da prova fez 30 graus, e, no dia, largamos a 22 e, no final, chegou a quase 28 graus. Mas para quem treina no calor do RJ foi moleza! 
Acredito que as coisas difíceis ou ruins que acontecem na nossa vida servem para nos modificar e fortalecer, deixando a gente cada vez mais cascudos para as provas e para a vida.
Só tenho que agradecer por ter conseguido ter forças para completa-lá! Me sinto uma vitoriosa de ter cruzado a linha de chegada!
Frio, chuva e vento a gente não tem como controlar, mas aprendi o que pode ser feito caso isso aconteça novamente. Tudo é aprendizado!
Ter usado a roupa certa poderia ter me ajudado a escrever uma história diferente. Sempre vale a pena analisar os pontos que erramos e que podem ser melhorados. Isso nos ajuda a ser mais certeiros em futuras situações.
Se voltarei para Boston pela terceira vez? Simmmm. Qem me conhece sabe que eu não desisto até conseguir o que eu quero! Mas não sei se será no ano que vem… ainda tenho tempo para pensar.

O meu foco agora é daqui a 53 dias: a Maratona de Porto Alegre pela terceira vez. Isso que não gosto muito de repetir provas. Meta: bater meu recorde lá, fazendo abaixo de 3h27m52s. Eu acredito e vou lutar por isso! Será minha última maratona neste ano. Coloquei o limite de duas por ano (e cumpro mesmo), pois maratona exige demais do corpo e quero me manter inteira para correr até meus 80 anos (essa meta é real).
Por último gostaria de agradecer duas pessoas que foram importantes nesta jornada: os fisioterapeutas Fabio Paes Leme e Flávia Cruz, que me renovavam com massagem desportiva e fisio após cada semana de treinamento pesado.

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Sobre Iúri Totti 1379 Artigos
Iúri Totti é jornalista, com mais de 30 anos de experiência na grande imprensa, principalmente na área de esportes. Foi o criador das sessões “Pulso” e “Radicais” no jornal O Globo. Tem 13 maratonas, mais de 50 meias maratonas e dezenas de provas em distâncias menores. "Não me importo em ser rápido. A corrida só precisa fazer sentido, dar prazer."

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