“Quando fui desafiado a fazer a prova 300 – O Desafio achei que não seria tão difícil quanto a UAI 235k, assim como muitos que me conhecem e disseram que eu tiraria de letra. Me preparei bem e fui muito bem assessorado. Primeiro pelo Marcelo Morone e depois pelo Leonardo Torres. Tinha acompanhamento da nutricionista Rita Melo, produtos da Pharmactive e, quando precisava de um fisio, estava lá meu amigo Guto.
Vamos ao que interessa. Eu, Lelo e o Claudio partimos para a largada. Saímos às 8h do dia 23 de março. Eles dois foram meu apoio durante a prova. Durante o dia, estava tudo bem, apesar do clima abafado, chovia e fazia sol. À noite, com 75km, passei por um susto. Bebi tanto líquido que estava me sentindo mal e dei uma parada. Dormi cerca de 1h30m e voltei a correr durante a madrugada.
Flávio Loureiro em um dos trechos do 300 – O Desafio
De manhã cedo estava bem cansado, muito cansado mesmo. O mal estar tinha passado, mas o cansaço estava sinistro. Passei mensagem para meu treinador e ele mandou eu descansar pelo menos 3 horas. Fiz isso logo após o almoço, com 157km rodados, que foi às 15h. Estava desanimado e com muitas dores. Conversei com meu apoio e disse que iria decidir se continuaria ou não na prova após descansar. Dormi até as 18h e decidi voltar a correr.
Correndo praticamente só, passamos por mais uma madrugada correndo, porém meus pés já doíam demais e apareceram as primeiras bolhas. Chegamos às últimas 24 horas e eu sabia que seriam as piores. Em São Lourenço, cheguei na rodoviária e tomei um banho, assim voltei a correr bem mais disposto, porém devido a retirada de um marcador da prova, corri uns 2km pelo caminho errado, ou seja, 2 km de ida e 2 km de volta até o ponto certo. Foram embora 4km. Bateu o desânimo, mas aí que funcionou o apoio. Lelo e o Claudio me animaram e voltei para a prova.
Flávio Loureiro com sua equipe de apoio: Lelo (à esquerda) e Cláudio
No meio do dia meus joelhos pareciam uma bola de tão inchados. Os pés doíam e as bolhas me massacravam. O sol castigava muito e o que mais queria era terminar aquela prova. Tinha ainda um rio para atravessar num ponto da prova, cheguei a noite e tive que atravessar vendo muito pouco, mesmo com lanterna. Ao atravessar, piso numa cobra, a marcação eram fitas refletivas presas no capim e algumas vacas comeram muitas fitas deixando a marcação do percurso precária. Corri mais um pouco e piso em outra cobra. Saí do pasto e pego a estrada de barro e bato de frente com um gado inteiro deitado no meio do caminho. Olhei pro lado e me meti no mato para não atravessar por onde as vacas estavam. Acabei me perdendo e, com isso, o desespero bateu porque faltava muito ainda e pouco tempo.
Aí funcionou o meu apoio novamente. Lelo ligou para me acalmar e o Cláudio subiu o pasto e me encontrou. Consegui voltar para a prova, porém eu queria desistir, mas eles não deixaram.
Estava desanimado e aí aconteceu uma coisa que me motivou a voltar. Uma garota da organização veio falar comigo e com outros quatro corredores que faltava pouco tempo e que não conseguiríamos completar. Levantei na hora e voltei a correr, assim como os outros corredores que estavam lá. Queríamos no fundo mostrar a ela que não se diz isso a ninguém. Nunca duvide ou tente desanimar uma pessoa com um propósito.
Rodamos a noite toda juntos. O meu carro de apoio iluminando todo o percurso durante 36km. Foi um corredor apoiando o outro.
Passou a noite e, ao amanhecer, vimos que tinha uma descida muito longa. Meus joelhos não aguentavam mais descidas e comecei a me preocupar se conseguiria. Faltando uns 14km para o final, decidi descer a serra correndo e isso doeu muito. As bolhas iam estourando a cada pisada em pedras. Chegamos ao final da serra e aí veio a pior parte da prova.
Faltavam 9km para terminar e já estava de dia. Faltavam menos de 2 horas para cruzar uma estrada de barro com subidas e muitas pedras. Corria um pouco e parava por causa da dor. Andava um pouco e parava novamente com dor. Já não aguentando mais a dor, comecei a chorar. E assim fomos, eu e meu apoio. Pedi ao Cláudio para ver quanto faltava realmente, porque faltava apenas 1 hora para eu chegar e não ser cortado. O Cláudio demorava a voltar com o carro. Comecei a pensar em desistir porque não aguentava mais de dor.
Flávio Loureiro, com o troféu, diante do mapa do percurso do 300 – O Desafio
Com o Lelo correndo do meu lado, ouvi dele que poderia até não chegar a tempo, mas que poderia pelo menos tentar correr. Ele ia na frente correndo e me chamava. Eu corria e parava por causa da dor. Foi quando fechei os olhos e meti o pé. Passei o Lelo e corríamos como se estivéssemos numa prova de 5km, muito rápido mesmo. Foi quando o Cláudio voltou e disse que faltava apenas 1,5km e tínhamos 30 minutos.
Aliviado e já sabendo da conquista, voltei a chorar, agora de alegria, pois tudo que fiz antes e durante a prova não foi em vão e o que aquela mulher falou só serviu de motivação.
Tem uma frase que resume exatamente isso: “Quando suas penas não aguentarem mais, corra com o coração”.
As duas conquistas importantes de Flávio Loureiro: UAI 235km e o 300 – O Desafio
Quero agradecer a todos que torceram por mim e que me apoiaram. Vocês foram incríveis. Agradeço muito a Deus e e não posso esquecer de meus apoios Cláudio e Lelo. Vocês são sinistros!!
Parado não se conquista nada.
Que venha o próximo desafio!!
Qual será?
Já tenho um em mente!!”
Flávio Loureiro
Iúri Totti é jornalista, com mais de 30 anos de experiência na grande imprensa, principalmente na área de esportes. Foi o criador das sessões “Pulso” e “Radicais” no jornal O Globo. Tem 13 maratonas, mais de 50 meias maratonas e dezenas de provas em distâncias menores. “Não me importo em ser rápido. A corrida só precisa fazer sentido, dar prazer.”