Espaço do atleta: relato de Katia Ronise na Ultra Fiord 100 Milhas

“Corri uma ultramaratona de montanha (160km) na selvagem Patagônia chilena (Ultra Fiord, entre os dias 14 e 16 de abril)! Uma das provas mais difíceis que já fiz. Largamos às 23h59hm em uma fazenda, estava muito frio. Minha lanterna estava fraca ( congelou!) me perdi muitas vezes, não conseguia ver nada! Logo no início atravessei o primeiro rio… e assim foram as 33h de prova com os pés e o corpo molhados!
Vento, chuva e neve na escuridão da madrugada! Clareou o dia depois das 8h, em seguida cheguei ao primeiro drop bag, troquei a roupa, o tênis e pude comer algo quente, assim em 1hr estava fora! No início um estradão, tentei correr, mas o corpo não permitiu! O frio era muito forte! Logo entrei por um bosque lindo, melhorei o ritmo e, em seguida, os competidores dos 70km começaram a passar por mim. Eles tinham largado há pouco tempo e estavam fortes. Muitos conhecidos passavam, conversavam um pouquinho e seguiam. Assim, subi por este bosque até chegar nas montanhas mais altas cobertas por neve, abasteci as garrafas no PC e continuei a subir.
Mesmo com as luvas impermeáveis, minhas mãos estavam geladas e resolvi trocar pelas luvas de neve. Nossa, como tudo se torna difícil quando estamos com frio! Este trecho foi muito complicado!!! Alguns corredores não estavam se sentindo bem, com frio ou dores. Um competidor mexicano das 100 milhas morreu ali de hipotermia (fiquei sabendo apenas no dia da premiação). Era um trecho de difícil acesso, muito técnico, perigoso! Com apenas 2 PCs nesta montanha. Nestes 50km não tinha como desistir da prova, impossível pedir para sair…
A descida dali também não foi fácil. Era bem íngreme. Caí algumas vezes. Havia muita  lama e pedras. Em seguida, outro bosque gelado. A temperatura ficou abaixo de -3ºC durante o dia. Neve quase todo o tempo. No final da tarde, eu queria chegar no segundo drop bag o mais rápido possível, pois não tinha lanterna para a noite! Consegui grudar em um brasileiro dos 70km para não me perder e, em seguida, com a Juliana Salviano, uma amiga que encontrei no caminho, atravessei muitos rios, charcos, lama.
Já não sentia mais os pés. Então chegamos ao acampamento às 23h. A Juliana finalizou sua prova enquanto eu fui pegar minha drop bag. Para minha surpresa, não tinha o banho que prometeram, o lugar era pequeno, mal dava para ficar sentada, sujo porque estávamos com muita lama. Troquei a roupa, o tênis, me alimentei e saí dali sem conseguir descansar direito.
Peguei o estradão, mas logo em seguida fiquei gelada. O sono começou a bater. Tentei de tudo, mas era impossível não cochilar andando, até sonhava! Não podia parar, nem sentar, pois seria fatal! De repente outra nevasca. Precisei mexer na mochila.Perdi os bastões, consegui voltar e encontrar apenas um, foi então que despertei! Passei alguns competidores que estavam atordoados como eu.
Alternava trekking com corrida, estava perto! Quando cheguei ao último PC, faltavam apenas 20km. Então me animei e corri o resto do percurso. Cruzei o pórtico sabendo que tinha vivido uma grande experiência !!! E feliz por estar viva!!!!
Katia Ronise
Publicado no blog da assessoria esportiva Run&Fun

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Sobre Iúri Totti 1379 Artigos
Iúri Totti é jornalista, com mais de 30 anos de experiência na grande imprensa, principalmente na área de esportes. Foi o criador das sessões “Pulso” e “Radicais” no jornal O Globo. Tem 13 maratonas, mais de 50 meias maratonas e dezenas de provas em distâncias menores. "Não me importo em ser rápido. A corrida só precisa fazer sentido, dar prazer."