Espaço do Atleta: Yara Achôa em sua oitava maratona, em Porto Alegre

Yara Achôa na Maratona de Porto Alegre
Yara Achôa na Maratona de Porto Alegre

Foram seis meses exatos entre a inscrição para a Maratona de Porto Alegre (11/12/2016) e a prova (11/06/2017), minha oitava maratona. Foi um período intenso – que começou um pouco antes, em agosto de 2016, complicado no início, mexeu muito comigo e me empurrou para mudanças.

Pois bem, me inscrevi para a Maratona. Mas até aí… Nos primeiros meses de treino, nem pensava na prova. Era algo distante – às vezes até batia a dúvida “nem sei se vou fazer mesmo…”
Além do treino de corrida três vezes por semana com a MPR Assessoria Esportiva e o mantra diário que aprendi com minha amiga Fernanda – “quanto mais forte eu sou, mais forte eu fico” -, fiz musculação (bem básica, na SmartFit, pelo menos duas vezes por semana), fiz pilates focado na corrida (comecei na Zuz Fisiopilates em novembro e os resultados apareceram rápido) e pedalei aqui e ali como transporte, porque também amo bike.
Na alimentação não mudei muita coisa. Na verdade só diminui um pouco o carbo e investi mais em proteínas, reduzindo também o tamanho das porções. Ainda ajustei os horários das refeições e passei a beber muita água. Sei que emagreci uns nove quilos no total – depois recuperei dois, então digamos que despachei sete quilos até a maratona. E meu ritmo começou a melhorar muito. Cada treino, cada prova, um recorde pessoal batido.
Fui ficando mais leve por fora e por dentro. Passei a sorrir mais e agradecer sempre. O que estava acontecendo durante minha preparação para a maratona veio me mostrar que a felicidade está dentro da gente – só eu sou responsável pela minha vida e por minhas atitudes, então eu que gerencie as consequências dos meus atos, eu que busque a felicidade e não entregue essa função nas mãos de alguém. Fazer terapia tem ajudado muito esse processo de redescobrimento, de reinvenção. Papo-cabeça, né? E esse é um relato de maratona… Então vamos voltar ao foco.
Fiz dois longos que me deram muita segurança para a maratona: um de 2h35 (28km) e outro de 3h (33km). Ainda participei da Wings For Life, em Brasília, quando pude testar velocidade e resistência juntos, fazendo 22K a um ritmo de 5’05″/km. E conquistei o primeiro lugar na minha categoria nessa prova. Isso nunca tinha acontecido antes.
Eu enviava os links de treinos/provas para meu treinador, Marcos Paulo (MP), e só ouvia: “Meu Deus!” “Você está em sua melhor fase!” “Atingiu um outro nível na corrida!”
Quando fiz minha inscrição para Porto Alegre, não pensava em Boston, mas depois comecei a pensar e falei para o treinador que queria fazer sub 4h (índice para minha faixa etária). Era uma grande meta, queria sentir esse gostinho de novo e seria um incentivo e tanto pra treinar focada. Eu já tive índice para Boston em 2010, correndo a Maratona de Buenos Aires para 3h53m. Na época, o limite era 3h55m. Consegui me inscrever para correr em 2011, mas por várias razões não fui. Então, só de marra (rsrs), eu passei a querer o índice de novo. E Porto Alegre era um prova rápida, clima bom, eu estava magrinha e forte… Poderia ter jogo.

E assim se passaram os meses

Na semana da prova, recebi o planejamento da Maratona. MP trabalhou o tempo todo na meta sub 4h e mandou um tempo conservador: 3h55. Sorri e mentalmente disse: faço! Mas no fundo sabia que podia mais. Na minha cabeça, aparecia um 3h49m. Mentalizava essa marca. Só que criar altas expectativas pode gerar altas frustrações. E apesar de me sentir super preparada, sabia que não dava para cantar vitória antes do tempo.
Embarquei para Porto Alegre confiante. Junto estavam minha mãe (primeira vez dela numa corrida, pra me ver), minha irmã Cristina e meu filho Antonio (que também esteve comigo em minha primeira maratona, em 2008, na mesma Porto Alegre). Chegamos na quinta-feira para ter tranquilidade de passear um pouco. Teve retirada de kit e treininho leve na quinta; visita a Gramado e comilança na sexta; treino, foto, amigos e jantar com a galera da MPR no sábado… Eu não estava nervosa, não estava com medo, não me assustava a ideia de correr 42K. Eu estava bem tranquila e feliz. E chegou o domingo, 11 de junho de 2017.

Dormi pouco. Só quatro horas. Me arrumei. Fiz a tradicional foto da manhã no Instagram. Desci e tomei o café da manhã bem básico. Encontrei minha amiga Flávia, que me deu carona para a largada.

Estava uns 10 graus em Porto Alegre – talvez um pouco menos. Friozinho, mas não a ponto de eu querer usar luva e legging. Optei por blusa de manga comprida, shorts e tênis Mizuno Prorunner 19. Encontrei o MP e perguntei se tomava um gel antes de largar. Ele recomendou apenas um pedaço de pão. E assim eu fiz. Também tomei um copinho de água porque naquela hora, sim, estava um pouco ansiosa e com a boca seca.

Os seis sachês de carboidrato, o advil, o pacotinho de sal estavam nos bolsos… Batia toda hora nos bolsos para garantir que continuavam no lugar e mentalmente passava o roteiro sobre a ordem que deveria tomá-los. No braço, escrevi as parciais de tempo que deveria cumprir a cada 5K.

Fui para a largada da maratona, que aconteceu lá pelas 7h15

No meio de um monte de gente, nem senti frio. Finalmente partimos. Passei o pórtico e quando olhei para meu relógio, vi que o GPS não tinha ligado. Quase desesperei. Foram micro segundos. Logo depois começou a funcionar.

Na orientação que recebi do treinador, deveria usar os três primeiros quilômetros como aquecimento e ir num ritmo mais leve. É difícil segurar a onda e não se entusiasmar. Mas eu segurei um pouco, sim. Fui consciente. Logo nesse início encontrei um amigo, o Ramon, e ele tirou a primeira foto das inúmeras em que eu apareci sorrindo e fazendo “paz e amor”.

Yara Achôa na Maratona de Porto Alegre

No quilômetro 6, tomei meu primeiro gel. Achei que chegou rápido nesse ponto. E a partir do quilômetro 10 comecei a ter vontade de fazer xixi. Eu tinha ido ao banheiro antes e estava zerada de vontade quando larguei. Mas estava frio e… sei lá. Ao invés de pensar na vida, no treinamento, no que me levou até ali, boa parte da prova eu só pensava em encontrar um banheiro, rsrs. Falava comigo mesma que eu tinha de aguentar. Mas não estava aguentando. E nem dá para fazer correndo, porque a gente não relaxa. Nunca tinha passado por essa situação, rsrs.

Ainda tomei um gel e bebi água no quilômetro 13, seguindo a programação. E finalmente tive a visão do “paraíso”, avistei um banheiro químico. Mas ficava do outro lado da pista. Eu tinha de seguir o percurso da prova e fazer a volta mais adiante. E quem disse que essa volta chegada… Foram uns quatro quilômetros até finalmente conseguir acessar o banheiro. Por conta desse “desespero”, o quilômetro 17 foi o mais rápido da maratona: fiz em 4’42”. Devo ter levado uns 40 segundos pra fazer xixi – tipo troca de pneu na Fórmula 1, afinal, não queria perder tempo. Voltei pra pista e pensei: agora sim! E mais do que nunca me mantive focada, me sentindo forte, invadida de boas sensações. Correr estava gostoso e fácil.

Os quilômetros foram passando…

E eu me sentindo muito bem. De vez em quando alguém passava por mim e me cumprimentava ou me chamava no lado oposto da rua. Mandei ver no carbo gel nos quilômetros 19 e 25. Eu também administrava a prova pelos carboidratos que estava tomando.

Por volta do quilômetro 27, encontrei a Ana, uma amiga de Porto Alegre de bike, que fez um monte de fotos. E gritou: “Bah, guria, que 3h55 o que! Tu tás correndo para 3h40!” Eu vinha fazendo conta de cabeça o tempo todo e para mim a projeção era de 3h46, então achei que a Ana estava errada.

Em alguns trechos, para me distrair, resolvi agradecer mentalmente tudo o que via pela frente. Então, pensava assim: “obrigada moço de camisa roxa com casaco cinza; obrigada lanchonete X (nome que eu lia na placa); obrigada imobiliária Y (tudo nas placas pelas ruas).” Fiz isso por uns bons minutos, sem perder o ritmo da corrida.

Yara Achôa com a medalha da Maratona de Porto Alegre

Em outros trechos, meus pensamentos saiam pela boca. Cheguei a dizer em voz alta: “como está bom correr! como está fácil!” E alguém que assistia na calçada respondeu: “é sinal de que você treinou bem!”

Não peguei isotônico em todos os postos disponíveis. Nos que resolvi pegar, dava uma micro paradinha para beber com calma – ou seja, perdia uns segundinhos aí.

Mais gel por volta do quilômetro 32. Nada doía. Nada incomodava. Não apareceu urso. Não bati em muro. Eu continuava correndo bem.

O próximo passo era encontrar o MP no quilômetro 35

Esse é o ponto da prova em que nossa equipe monta um QG para dar Coca-Cola e uns sticks (aqueles palitinhos salgados). Eu sempre aguardo ansiosamente esse momento!

Passei por ali, o MP me viu super bem e disse: “Tá correndo para 3h43!” E eu respondi: “Ah, é? Estou?” Peguei a Coca e uns sticks, que devorei! Sem parar de correr, só diminuindo de leve, tomei uns goles do refri e ofereci a um companheiro maratonista, que prontamente aceitou o líquido dos deuses naquela altura da prova.

Faltava pouco e eu não deixava cair o ritmo. Estava impressionada comigo mesma. Chegava a me perguntar o que tinha acontecido, rsrs. Voltei para as contas mentais e, faltando uns cinco quilômetros, errei um cálculo, que levou a um resultado de 3h46 de conclusão. Mas percebi que tinha errado e a conta certa apontava para 3h40.

Nos últimos quilômetros, passei por amigos mais fortes do que eu e olhava atônita, não entendendo como estava ultrapassando eles…

Último dos últimos quilômetros…

Uma galera dos dois lados da rua formando um corredor de gente até o pórtico de chegada. Avistei a Cris e amigos da MPR que estavam ali registrando a maratona. Gritei de longe: “Cris! Também quero fotos!” Foi uma festa passar por eles. Levantei os braços como se vencesse a corrida, mandei beijo, fiz festa, sorri feliz como nunca.

Aquela aceleradinha final (o quilômetro 42 foi a 4’45”) e pronto: cruzei a linha de chegada em 3:40:01 no tempo oficial – resultado que me rendeu quinta colocação na faixa etária (entre 68 mulheres) e 59 no geral feminino (entre 695 mulheres). E terminei bem, sem dores, sem estar destruída, recuperada rapidamente. Claro que fico pensando que se não fossem as paradinhas para o xixi e para beber isotônico eu tinha feito sub 3h40. Mas tá bom. Tá ótimo esse resultado.

Ao contrário de outras provas, não tive vontade de chorar no final e em nenhum momento pra falar a verdade. Foi emocionante fazer uma maratona como essa, alcançar esse feito que nunca imaginei que pudesse ser possível. Mas não vieram lágrimas e sim sorrisos, muitos sorrisos. Foi uma prova pra lá de especial, em que aprendi muito sobre mim mesma. E que devo transpor muito desses ensinamentos para o dia a dia para colher bons resultados também em outras áreas da vida. Ih… já estou com papo-cabeça de novo. Melhor parar por aqui.

Meu sincero muito obrigada!

Só um último parágrafo para agradecer a todos que me ajudaram com orientações, com parcerias, com paciência, com ombro amigo. Muito obrigada Marcos Paulo e equipe MPR; Fernando e Denise Pripas da Zuz Fisioterapia e Pilates, Sofia Paez da Polar Brasil; treinadores da SmartFit; equipe Mizuno. Obrigada mãe, minha irmã Cristina e meu filho Antônio que estiveram comigo nessa jornada em Porto Alegre. Às amigas Flávia e Ana pelo apoio e logística na cidade. A amigas e amigos muito especiais – Fernanda, Helena, Gabi, Juraci, Cris, Bel, Elói, Marcello, Mario. A Maratona de Porto Alegre 2017 vai ficar pra sempre na memória e no coração!

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Sobre Iúri Totti 1379 Artigos
Iúri Totti é jornalista, com mais de 30 anos de experiência na grande imprensa, principalmente na área de esportes. Foi o criador das sessões “Pulso” e “Radicais” no jornal O Globo. Tem 13 maratonas, mais de 50 meias maratonas e dezenas de provas em distâncias menores. "Não me importo em ser rápido. A corrida só precisa fazer sentido, dar prazer."