Marcio Villar treinou para suportar até 40º negativos em Internacional Fall, na fronteira americana e canadense, conhecida por ter as temperaturas mais baixas dos Estados Unidos.
Esse ultramaratonista recordista mundial estava forte fisica e mentalmente. Seu objetivo era aproveitar os 217km da Arrowhead 135, uma das mais difíceis ultramaratonas do mundo, e voltar à largada para ser o primeiro atleta a dobrar as provas da Copa do Mundo de Ambientes Extremos.
Na madrugada desta terça-feira (29/1), quando já tinha corrido mais de 100km em 20h25m, o brasileiro, que levava o número 2 no peito, não teve condições de continuar e abandonou o desafio que tinha se imposto.
Essa seria sua sexta participação na prova (em duas, ele completou os 217km e nas outras três, não conseguiu dobrar). A Arrowhead 135 está atravessada na garganta de Marcio Villar por ser única que falta dobrar na Copa do Mundo de Ambientes Extremos.
Ele já fez a Brazil 135, na Serra da Mantiqueira, onde triplicou, com 651km, e a Badwater 135, no Vale da Morte, na Califórnia, nos Estados Unidos, com temperaturas acima dos 50º, onde que ele dobrou, com recorde.
“Até o checkpoint 1 estava tudo tranquilo. Tudo dentro do previsto. Estava administrando bem o ritmo”, afirma Marcio Villar, direto de International Falls. “Mas quando estava indo para o checkpoint 2, na madrugada, com subidas e descidas em um vale, o frio era tremendo. O Diego (Costa, outro brasileiro na prova que abandonou após 60km) disse que a temperatura estava muito abaixo do que tínhamos imagindo, fora a sensação térmica. Estava todo congelado. Não tinha nem o que pensar. Não podia me desesperar, pois é aí que você morre. Meu anjo da guarda é muito forte. Quando decidi parar, passou um snowmobile de resgate e pulei na frente dele. O cara disse que nunca tinha tido uma prova com uma temperatura tão baixa. Está chegando uma nevasca na região, tanto que todos os aeroportos estão fechados”.
Sérvio e americano dividem o primeiro lugar
O primeiro lugar de uma das edições mais difíceis da história da Arrowhead 135 foi dividido entre o sérvio Jovica Spajic e o americano Scott Hoberg, que completaram os 217km em 36h09m. Em terceiro ficou o também americano Parker Rios, em 38h23m. No feminino, a campeã foi a americana Faye Norby, em 48h34m.
Veja como foi a chegada dos campeões.
Vai continuar nas ultras?
Sobre a decisão de se aposentar como tinha planejado após a Arrowhead 135 , Marcio Villar quer chegar em casa e conversar com sua mulher Ana.
“Não sei se vou parar ou não”, diz ele. “Quero ficar mais com a família, curtir a minha mulher. O que eu faço requer que muito treinamento, muito tempo afastado da por causa das competições, chegando a ficar um mês fora. Vou chegar no Brasil, conversar com a Ana, fazer a revisão médica. Não sei se vou parar, querer eu não quero, mas nem sei se devo”.
“Se estivesse -20º, corria de sunga˜
Convencido que tomou a atitude certa ao parar para preservar a vida, Marcio Villar tinha consciência do que encontraria pela frente. “Agradeço a Deus por estar aqui falando com você. Não tinha roupa para aquela temperatura”, conta Marcio Villar.
“Cheguei uma semana antes para me aclimatar. Treinei tanto que sabia que roupa eu usaria para cada temperatura até -45º. Foi tudo testado. As pessoas falam que depois de -10º é tudo igual. Não mesmo. Se estivesse -20º, eu estava brincando na prova, corria de sunga. Estava super aclimatado, mas para -67º não tem ser humano que suporte isso”, diz ele.
No momento em que sentiu que a situação ficou complicada, Marcio Villar não sentiu medo da morte. Ele pensou apenas em sobreviver.
“Não deu nem tempo de ter medo da morte. O que vem na mente é o espírito de sobrevivência. O que fazer para sobreviver. Tentei acelerar ao máximo para aquecer o corpo. Em último caso, abandonaria o trenó e correria sem ele para manter o corpo quente, mas é difícil se aquecer a menos 67º. Minha sorte foi o snowmobile ter passado naquele momento. Foi um ano atípico aqui”, diz Marcio Villar, que chega ao Brasil na próxima segunda-feira. “Estou doido para pegar um sol. Para mim, o inferno é branco.”
“A medida que eu ia suando, uma camada de gelo se formava nas minhas costas”, disse Diego Costa. “Como era impossível correr, resolvi parar”.
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Iúri Totti é jornalista, com mais de 30 anos de experiência na grande imprensa, principalmente na área de esportes. Foi o criador das sessões “Pulso” e “Radicais” no jornal O Globo. Tem 13 maratonas, mais de 50 meias maratonas e dezenas de provas em distâncias menores. “Não me importo em ser rápido. A corrida só precisa fazer sentido, dar prazer.”