A coluna “Conte algo que não sei”, do jornal O Globo, publicou hoje uma entrevista, feita por Sanny Bertoldo, com Eleonora Mendonça, brasileira que disputou a primeira maratona olímpica, em Los Angeles, em 1984. Na próxima terça-feira, às 19h30m, no hotel Mar Palace, em Copacabana, no Rio, ela lança o Instituto Eleonora Mendonça, que tem o objetivo de preservar a memória do atletismo, traçar ações para o presente do esporte no Brasil e planejar o futuro de uma das principais modalidades olímpicos para o país.
Pioneira em corrida de rua, brasileira radicada em Boston veio ao Rio inaugurar instituto voltado para preservar a história do atletismo e da mulher no esporte
Por Sanny Bertoldo
“Tenho 68 anos e moro em Boston desde 1974, onde fiz mestrado em Educação Física. Desde então, estou ligada ao esporte de alguma forma. Fui a primeira brasileira a disputar a maratona nos Jogos Olímpicos. E fiz parte do grupo que processou o Comitê Olímpico por discriminação de gênero.”
Conte algo que não sei.
Por isso a corrida?
O tênis era meu esporte, mas tive um acidente numa aula de ginástica e rompi o ligamento cruzado. Perdi a movimentação lateral e nunca consegui me recuperar direito. Como meu objetivo era fazer carreira, acabei desistindo. Em 1971, em Boston, fazendo mestrado em Educação Física, comecei a ver as pessoas correndo e fui experimentar.
E foi muito bem-sucedida.
Fui recordista brasileira e sul-americana de todas as distâncias, desde os 1.500m até a maratona, e a primeira brasileira a disputar a maratona em uma Olimpíada, em 1984, em Los Angeles. Competia fora do Brasil porque, no início dos anos 70, não havia provas para as mulheres no país. Em 1978, comecei a organizar corrida de rua aqui. Em 1981, realizamos a primeira corrida feminina da América Latina, também no Rio. Quando fizemos a quarta, em São Paulo, batemos o recorde mundial de participação feminina, mais de 6.000 mulheres. Uma maravilha.
Por que mulheres eram impedidas de competir em provas longas em Olimpíada?
Inicialmente, havia um tabu de que a mulher não tinha constituição física para a corrida. O argumento era que os seios cairiam, a fertilidade estaria comprometida e não seria mais possível engravidar. Quando estes tabus médicos foram derrubados, passaram a dizer que as mulheres não estavam interessadas. Mas houve a explosão de corrida de rua nos EUA, e começaram a ver que as mulheres estavam, sim.
Mas não foi fácil para as mulheres se tornarem atletas.
Não havia oportunidades. Por isso, em 1979, foi criado o Comitê Internacional de Corredores, reivindicando paridade nas competições internacionais, principalmente nos Jogos Olímpicos. Nós também queríamos medalha, queríamos ser atletas olímpicas. A pressão foi tão grande, o movimento era tão forte, que, em 1981, conseguimos convencer o Comitê Olímpico Internacional (COI) a incluir os 3.000m, os 400m com barreira e a maratona femininas nos Jogos de Los Angeles.
A luta pela igualdade no atletismo terminou aí?
Não. A inclusão da maratona teve simbolismo porque é um evento de muita visibilidade. Se a mulher corria maratona, ela podia correr os 5.000m, os 10.000m, mas essas provas foram deixadas de lado. Então, nosso comitê resolveu abrir um processo de discriminação de gênero contra o COI e a Federação Internacional de Atletismo. Esperamos a realização da primeira maratona em um Mundial, em Helsinque, 1983, e soltamos a bomba. O impacto foi tão grande que, três meses depois, foi anunciada a inclusão dos 10.000m na Olimpíada de Seul-1988 e dos 5.000m em Atlanta-2000. A última, os 3.000m com obstáculos, só entrou em Pequim-2008. Demorou muito, mas organizamos um grande movimento feminista no esporte. Talvez o maior.
Iúri Totti é jornalista, com mais de 30 anos de experiência na grande imprensa, principalmente na área de esportes. Foi o criador das sessões “Pulso” e “Radicais” no jornal O Globo. Tem 13 maratonas, mais de 50 meias maratonas e dezenas de provas em distâncias menores. “Não me importo em ser rápido. A corrida só precisa fazer sentido, dar prazer.”