Por Carlos Antonio dos Santos* – Difícil analisar a Maratona de Nova York sem estar frustrado com o resultado. Dos quatro mais indicados para vencer, deu a lógica de ser o queniano Evans Chebet, que tem 2h03m00s em Valência-2020. Em Nova York, ele esteve atrás até o Km 32 e chegou a ficar a 2m28s do líder Daniel do Nascimento. O brasileiro, que tem a terceira marca na prova (2h04m51s), com seu recorde sul-americano em Seoul, dia 17 de abril deste ano, liderou a corrida até ali.
Só que ele desaba no chão neste ponto. Só que lá em Tóquio foi no Km 26 e era sua segunda maratona. Fez as parciais mais fortes da história da maratona de Nova York até o Km 25. Passou a meia-maratona em 1h01m22s e o Km 25 em 1h13m29s. Geoffrey Mutai, vencedor de 2011 com o tempo recorde do percurso novaiorquino de 2h05m06s, certamente passou no Km 30 em marca parecida a do Daniel (1h29m09s).
Pelo que se viu, Daniel não respeitou o percurso da Maratona de Nova York, que tem uma altimetria difícil e, por isto, a melhor marca lá é só 2h05m06s. O brasileiro estava em sua sexta maratona, considerando seu DNF em Tóquio. Já era para estar bem experiente. Pensei que fosse entrar pelo resultado, já pensando em uma prova tática de Paris’2024, mas entrou para recorde.
Daniel tinha parciais para vencer
Em um momento, estava mais forte que a marca recorde do Eliud Kipchoge (passou em 14m31s no Km 5; 28m42s no Km 10; e 43m16s no Km 15). Previsão de 2h02m23s no Km 5; 2h01m07s no Km 10; e 2h01m44s no Km 15. Chega na meia-maratona em 1h01m22s (previsão de 2h02m44s, que seria o terceiro melhor tempo do ano). O dia em Nova York não estava favorável a uma marca desta, com 22°C e 79-80% de umidade.
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Tem muitas comparações a serem feitas com esta corrida de hoje. Primeiro lembro-me de uma básica do grande Paavo Nurmi, dono de nove medalhas de ouro em Olimpíadas e três de prata, 22 recordes mundiais oficiais e 13 não oficiais, primeiro a usar relógio na corrida: deve-se fracionar a corrida.
Era a grande chance de uma vitória brasileira em Nova York, depois de Marilson Gomes dos Santos em 2006 e 2008. Em 2008, foi uma vitória da estratégia. Marilson passa com o grupo em conservadores 1h06m07s na meia-maratona e faz uma segunda metade fantástica para 1h02m36s, certamente, uma das melhores segunda metade de NY. Hoje tivemos a primeira melhor metade.
Depois da saída do brasileiro, Maratona de Nova York perdeu emoção
Daniel poderia vencer se fizesse isto. O tempo do vencedor foi parecido com 2008: 2h08m43s para Marilson e 2h08m41s para Chebet.
Outra comparação é com o que Steve Jones fez em Chicago-1985, quando poderia ter sido o primeiro a correr na casa de 2h05m a maratona, mas fica a exato um segundo da marca do Carlos Lopes (2h07m12s). Steve Jones corre em cima do recorde mundial até a última passada. Perdeu por um segundo, mas ele esteve perto de ser o primeiro a correr a maratona na casa de 2h05m. Esta era sua projeção de tempo no km 32,19 (20 milhas): 2h05m01s. Passou as 20 milhas em 1h35m22s (ritmo de 2m57.7s/km). Quebra no final e correu os 10,05km para 31m51s (ritmo de 3m10.1s/km). Na milha 25 (40,23 km) ainda tinha projeção de 2h06m50s, mas corre o final (1,96km) a 3m12.7s/km. Ele passou na meia-maratona em 1h01m46s e fez a segunda em 1h05m27s. Só para ter uma noção do feito, só 29 anos depois Denis Kimmeto passou em 1h01m45s e fechou em 2h02m57s, em Berlim-2014.
Depois da saída do Daniel, a prova se desenrola sem muita emoção, pois o brasileiro prometia um recorde de percurso, e Evans Chebet vence com previsíveis 2h08m41s, com o segundo ainda próximo, a 13 segundos, mas o terceiro bem longe, em 2h10m31s.
Brasileiro tem potencial, desde que corra dentro do planejado
Considerando o que Daniel fez hoje, ele pode correr uma maratona para 2h03m, mas precisa seguir à risca o traçado estratégico. Passou fácil com 1h01m22s, logo, em Berlim pode passar no segundo grupo com esta marca e virar até antes de 2h03m. Tem potencial para isto, mas tem que correr dentro do traçado.
No feminino, teve uma corrida conservadora com a estreia de Helen Obiri (1h04m22s na meia-maratona) e ela passa liderando a meia-maratona em 1h12m17s (o grupo passou em 34m24s no Km 10, bem conservador). A corrida feminina só foi decidida na milha final e Salpeter parecia em melhores condições de vencer, mas a estreante Lokedi escapa e fecha em 2h23m23s, Nada muito fora do normal.
A revista Runner’s World diz que Daniel parou por câimbras. Menos pior, pois se fosse outro colapso, como o de Tóquio, seria mais preocupante.
Daniel precisa conhecer mais a história das maratonas e saber que a grande maioria delas são vencidas na segunda metade.
*Carlos Antonio dos Santos é professor de Educação Física, ex-atleta de maratonas nos nos 80 e um estudioso de atletismo, principalmente o olímpico.
Iúri Totti é jornalista, com mais de 30 anos de experiência na grande imprensa, principalmente na área de esportes. Foi o criador das sessões “Pulso” e “Radicais” no jornal O Globo. Tem 13 maratonas, mais de 50 meias maratonas e dezenas de provas em distâncias menores. “Não me importo em ser rápido. A corrida só precisa fazer sentido, dar prazer.”