Agora com a cabeça um pouco no lugar, quero compartilhar com vocês esta experiência ÚNICA, que foi participar do CCC do Mont Blanc! Foi incrível, sensacional, fudidoooo e gratificante passar a linha de chegada depois de 24 horas de prova.
Mas vamos aos detalhes: chegamos em Chamonix na segunda-feira com chuva, até que a viagem de avião foi suave. Chegamos no hotel, jogamos as malas e pegamos o ônibus para o centro. Primeira parada pâtisserie, lógicoooo. Como boa formiga que sou, já mandei um folhado gigante pra dentro. Do outro lado da pâtisserie, nada mais nada menos, que o pórtico de largada da prova. congelei e só pensava: pqpqpq tô aqui, não acredito. Pior que criança em loja de brinquedo! Fiquei admirando cada detalhe, e mentalizando minha chegada. Medo gigante de não terminar, mas confiante! Foi a largada do PTL também. Loucura. 300km! Tem gente mais biruta que eu… ahahaha
O segundo dia amanheceu ensolarado. Ficamos num hotel lindo. Ao lado havia um parque, um lago e fomos lá conhecer. Quase um Ibirapuera, com um diferencial: havia paredes de escaladas, outdoor ou indoor, com crianças de 5 anos numa altura enormeeee!!! Começamos um trote pelo tal parque. Falei pro Marcello:
– Vamos subir?
– Lógico que vamos!!!
Uma hora subindo e pedindo penicoooo!!!! Daquela altura já dava para avistar o Mont Blanc e alguns alces correndo em volta. Tá bom, chega. Quero voltar pro hotel. Esse sol tá me fritando. Sentamos na frente do hotel, pedimos um café e, de repente, escuto:
Vera Saporito (à esquerda) e Manu Vilaseca em Chamonix
– Vera Saporito???
Olhei e era a Manuela Vilaseca!! Nunca fiquei tãooo feliz de encontrar ela! Estava apreensiva demais e, putz, Manu conhece essa prova de cabo a rabo!! Já fui fazendo o interrogatório:
– Manu me conta: a prova é fudida???
– É fudidaaaa. Você vai subir, subir e subir!! Se poupe nas descidas porque senão vvocê vai sofrer!
– Você acha que eu termino? Vou me fuder?
– Vai sim, mas termina.
Dei um mega abraço nela e fiquei mais sussa. Se a pica das galáxias do trail disse… Eu termino, porraaaaa… ahahaha
À noite, fomos jantar num restaurante e passar no mercado pra comprar cafe da manhã, shampoo, sabonete, desodorante e creme de cabelo. Aí você entra no mercado e a pessoa se desespera: o que é creme de cabelo e pro corpo nessa porra?Não tive dúvidas. Abria o frasco e passava no braço, e pra perguntar parecia que eu estava conversando com um mudo. Ficava esfregando o cabelo e apontando pra gôndola. Deu certo. Amém!
Vera Saporito em um restaurante em Chamonix
Sentamos no restaurante, pedimos pizza e ficamos olhando o comportamento das pessoas. Lá é super normal os pais ficarem comendo dentro do restaurante e as crianças ficarem na rua, tocando o puteiro. Fiquei imaginando a Malu ali… nem fudendo! Não acharia ela nunca mais…
Quarta-feira, dia da retirada de kit. Pegamos o ônibus lotado. Todo mundo munido das suas mochilas. Sentamos em frente a um casal chinês mega simpático, que eu pensei que fosse japonês. O senhor começou a conversar com o Marcello e, em menos de dois minutos de conversa, ele tomou o celular da mão do Ma, anotou o email e o whatzap dele, e falou:
– Selfie… Whatzap!
– Oi???? Ahaaha
– De onde você é?
– Hong Kong.
Eu solto a pérola:
– Nossa. Sou loca pra correr o Monte Fuji!!!!
Meu marido:
– Vera, pelo amor de deus, cala a boca… ahahahaha
– Por que??
– Hong Kong é na China… pqp!
Enfim, o china não parava de falar. Meu marido dando corda e eu vendo o centro esportivo passar:
– Marcello, a parada já passou.
– Não. O chinês sabe.
– Sabe o caralho!
Descemos dois pontos depois, num puta calor, e o chines dando risadinha. Vá se fuder, né!
Ele falando com a gente e eu xingando:
– Chinês lazarento, e você dando corda ainda!
A armadura de Vera Saporita na CCC do Ultra Trail Mont Blanc. Arquivo pessoal
Finalmente peguei o kit e fomos pra feira. Pense no paraiso de compras para amantes de trail. O que fodia tudo era o euro! Como diria a amiga do Alex Vicintin: quem converte não se diverte… kkkkk. Tudo que você imagina tem nesta feira, portanto, guardem grana porque é frustrante não comprar tudooooo!!!! Saímos da feira, mandamos um calzone gigante no jantar e fui tentar dormir… O relógio despertou às 4h40m. Vesti a armadura e fomos para praça pegar o ônibus para Courmayeur, na Itália.
Frances é bonito, a comida é boa demais,o s vinhos, a água, mas, meu, o povo que cheira CC!!!! Surreal. Cedão, o pessoal arrumadinho, mas o futum, meu pai do céu!!!! Brasil, te amo… ahahahaha
Vera Saporito na largada da CCC
Fui para minha baia. Largada bombando e, do meu lado, o Ricardo Nishizaki…Figuraça!!
– Nishi, quero terminar, porraaaaa!!
– Fudeu, né? Se você quer terminar, coitado de mim!
– Booraaaaa, Nishiiiii!!!
Passei o pórtico de largada. Foi suave os primeiros quilômetros, depois começou a subir, subir, subir, subir… quando vi, meu relógio avisava que já havia se passado 2 horas e tinhámos corrido (ou tentado) correr 9kms!!!! Ai entendi a tal altitude. Achava que sabia que era desnivel positivo… SABE DE NADA,INOCENTE! Começou a sofrência. Nós subindo e uma italianada descendo e dizendo “forza, brasile!!!!” “Vera Lucia bravo”! Pasmem! Senhoras lindas, passeando nos Alpes com um calor fdp na cabeça e sorrindo com olhos verdes irritantes de tão lindos… ahahaha.
A prova inteira em fila indiana, o mundo com bastoes trekking pole e a Vera xingando na subida:
– Pqpqpq, porque eu não trouxe isso???
Um português atrás de mim riu alto:
– É mesmo, cadê??? Pqp mesmo… kkkkkk
– Eu não sei usar essa merda!
– Eu comprei ontem e tô usando hoje.
– Simples assim. Boa portugaaaa. Boa sorte!!
Vera Saporito no percurso da CCC da Ultra Trail Mont Blanc
E a prova rolando. Os postos de parada eram perfeitos! Comida, bebida, assistência médica… Era um convite para ficar lá. Mas só fiquei mais tempo no penúltimo. Na verdade quando saia deles já sabia que tinha uma piramba me esperando… Cinco montanhas!!!! Cheguei em Champex e o Ma estava lá:
– E ai? Vé tá bem?
– Não, tô fudida, meu!!! Não tem descanso. Só sobe, caralhoooooo!!! Esquece 18 horas???? Nem fudendo, Ma!! Sei lá… 20, 22 horas, nem sei mais!
Sai de lá meio revigorada, rumo ao penúltimo posto. Antes dele havia uma descida muito ingreme; Minhas coxas fritavam… tudo doía… Estômago, coxa… Mandei um omeprazol e advil pra dentro. Fiquei quase 30 minutos no último posto e segui. Comecei a correr e olhei pro morro. Ainda pensei: aquele morro foi o que nós descemos? Tô ficando louca? Nãooooo… Aquela montanha era pra subir!!!
Combinei com um grupo de cinco rapazes o seguinte: caminhamos 6 minutos e sentamos 1 minuto pra descansar, ok? Cara, tava dando caimbra na bunda.. Tá loco! E foi assim que chegamos no topo, com o dia amanhecendo. Chorei… Experiência única.. que céu.. que momento;. Tirei foto mesmo. Meu coach, Sidney Togumi, disse: curta esse momento! E eu curti como nunca! Último posto! Faltavam 11kms pra Chamonix. Minha única obrigação era terminar antes de 26 horas.., E eu iria conseguir! Sem condiçôes de correr, minhas coxas se petrificaram. Qualquer trote naquele momento era impossível. Foi então que o Nelson Yanasse passou por mim, inteiro, e disse:
– Vera, quer meus bastões??? Eu tô bem. Use eles que vão te aliviar.
– Obrigado Nelson. Você é o cara. Bora Brasil.. Vai lá e representa!
E os bastôes foram minhas muletas. Fui chegando em Chamonix. Avistei o Ma me esperando. Ele correu alguns metros comigo.
– Falta muito, Ma?
– Nâo. A chegada tá ali.
Olhei umas coisas veremelhas, e a louca aqui pergunta:
– A chegada é aqui????
– Tadinha. Já tá delirando. ahahahah…
Vera Saporito no CCC da Ultra Trail Mont Blanc
Quando fiz a Última curva e avistei a chegada, não sei de onde e nem como, a dor na coxa sumiu e eu corri pro pórtico como nunca. Soltei um “caralhoooooo termineiiiiii” e ainda tive força pra saltar no final. Passei a chegada e fui pegar meu colete de finisher: LINDO, LINDO, LINDO!!!!
A chegada de Vera Saporito na CCC da Ultra Trail Mont Blanc
Voltei pro hotel, dormi algumas horas. Até pensei em ir para o encerramento da prova, mas todos os dias acordava e olhava pela minha janela o pico do Mont Blanc cheio de neve e queria ir até lá.
Vera e Marcelo no Mont Blanc
FEITO! Arrumei minha mochila. Eu e Marcello subimos até a junção do Alpes. Loucura, né? nadaaaa!! Loucura seria não ter aproveitado este último dia assim.
Subimos até lá. Sofremos horrores. Chegamos nas geleiras, escutamos as avalanches, vimos alces gigantes no topo da montanha. Amei cada momento. Chego a dizer mais que a prova em si! E, para finalizar, comemos um fondue maravilhoso com vinho rosé.
A todos que têm planos de participar do UTMB pela primeira vez, em qualquer distância, nada mas nada do que corremos no Brasil se compara às difilcudade destas montanhas!!!! Treine muitoooo mesmo! Vi vários europeus desistindo, passando mal e com dores? Acho que o ideal seria treinar um mês aqui para não ser pego tão de surpresa como eu fui. Provas de montanha são imprevisiveis, mas se você vai bem treinado, tenha certeza que já é 50% da prova. O resto é foco, força e fé em Deus!!!! Ah! e fé em São Bernardo du Mont Blanc. Ele é o santo protetor dos corredores de alta montanha! amém!
Homenagem a São Bernardo do Mont Blanc
Iúri Totti é jornalista, com mais de 30 anos de experiência na grande imprensa, principalmente na área de esportes. Foi o criador das sessões “Pulso” e “Radicais” no jornal O Globo. Tem 13 maratonas, mais de 50 meias maratonas e dezenas de provas em distâncias menores. “Não me importo em ser rápido. A corrida só precisa fazer sentido, dar prazer.”
