Amador vence a lenda Mo Farah em prova de 10km

Ellis Cross comemora sua vitória na Vitality London 10.000, deixando a lenda Mo Farah em segundo. (Divulgação)
Ellis Cross comemora sua vitória na Vitality London 10.000, deixando a lenda Mo Farah em segundo. (Divulgação)

Como um corredor qualquer, Ellis Cross, de 25 anos, acordou às 6h para pegar um trem para disputar a Vitality London 10.000, na última segunda-feira (2). O britânico, vendedor em uma loja artigos esportivos, onde trabalhou o dia inteiro no domingo, tinha somente um objetivo na prova: “terminar algo perto dos cinco primeiros”. Tal era seu desinteresse pelo tempo que faria, quem nem relógio usava.

Após 28m40s, porém, seu desejo se tornou realidade. Ele, que pagou £ 37 (R$ 230) de inscrição e não tinha sequer o nome escrito no número de peito 219, tinha conseguido ser o campeão da prova, de uma forma extraordinária.

Cross deixou para trás ninguém menos que a lenda Mo Farah, de 39 anos, bicampeão olímpico e tricampeão mundial dos 5.000m e 10.000m. O somali naturalizado britânico não conseguiu sustentar o ritmo do atleta amador nos 100 metros finais e terminou em segundo lugar, com 28m44s.

Prêmio para o campeão foi de R$ 12,4 mil

O valor pago na taxa de inscrição provou ter sido um ótimo investimento. Cross voltou para casa com um prêmio de £ 2 mil (R$ 12,4 mil) e com a façanha que não tem preço ao derrotar o ídolo.

“Acabei de bater, sem dúvida, o maior de todos os tempos nas ruas de Londres”, afirmou o improvável campeão.

Claramente surpreso com seu resultado, Cross era todo sorriso após a prova de sua vida. Já Sir Mo Farah, recordista e sete vezes campeão da Vitality London 10.000, foi cordial na derrota e deu crédito ao que chamou de “um vencedor determinado e merecedor”.

Os dois atletas não se conheciam até cruzarem a linha de chegada, mas compartilham várias semelhanças. Ambos estudaram na Universidade de St Mary, em Twickenham. Cross trabalha na Up & Running, em Surbiton, bairro ao sudoeste de Londres, enquanto Farah também trabalhou, em  meio período, na loja de corrida Sweatshop, no fim dos anos 1990. Cross ainda terminou em quinto nos 10.000m no Campeonato Europeu de Sub-23 em Bydgoszcz em 2017, enquanto Farah conquistou a prata nos mesmos campeonatos, coincidentemente, na mesma cidade polonesa, em 2003.

Cross foi bicampeão júnior de cross country

As semelhanças param por aí. Enquanto Farah se tornou um superstar global de corrida, com uma galeria de títulos entre 2010 a 2017, Cross levou uma existência relativamente anônima. Como júnior, ele foi bicampeão britânico de cross country sub-20 em 2016 e 2017, mas desde então ele registrou 13m50s56 nos 5.000m, seu recorde pessoal, e 29m53s nos 10km.

Cross também foi um talentoso atacante do Nottingham Forest quando jovem, mas desistiu no início da adolescência para se dedicar ao atletismo.

Farah, na sua melhor fase, teria chegado perto de dar uma volta em Cross nos 5.000m e, certamente, teria feito nos 10.000m. Mas nesta segunda-feira, feriado em Londres, foi diferente, já que Farah não conseguiu acompanhar o ritmo quando Cross acelerou, entrando na reta final do lado de fora do Palácio de Buckingham em uma ensolarada manhã de verão _ a largada aconteceu na Avenida The Mall.

“Tentei dificultar bastante a partir do km 2, pois ele é conhecido por sua forte finalização”, disse Cross, que se destacou ao longo do 10km, com o pelotão de frente ia sendo gradualmente reduzido para uma prova de dois homens nos quilômetros finais. “Então tentei me livrar um pouco do sprint final de Farah. Tentei pegar a pista interna no fim e consegui me segurar. Estou absolutamente realizado.”

Campeão foi recusado no pelotão de elite

Marca registrada de Farah, que sempre obtinha a liderança das provas nos momentos finais para, em seguida, se afastar de seus rivais, viu Cross usar a mesma estratégia.

Cross e Farah superaram um bom line-up. Mo Aadan ficou quatro segundos atrás de Farah, com 28m48s, seguido por Chris Thompson, com 29m10s (quebrando o recorde britânico acima de 40 anos, de Mick McLeod, de 29m13s, de 1992), Phil Sesemann, com 29m19s, Hugo Milner, com 29m20s, e Andrew Heyes, em sétimo, com 29m26s.

Sobre sua experiência surreal, Cross acrescentou: “Como fui recusado na elite, tive que dormir em casa e acordar às 6h para pegar o trem. Durante a corrida, todos estavam chamando o nome de Mo e ninguém sabia quem eu era. Eu estava pensando que se eu pudesse chegar perto dos cinco primeiros, seria uma corrida inacreditável. Não me preocupei com o tempo. Eu só queria correr forte. Eu nem usava relógio”. 

Mo Farah não perdia para amador há 20 anos

Após ficar 11 meses afastado das competições depois de ter fraturado um dos pés, em junho, Farah, que recentemente voltou de um período de treinamento de altitude na Etiópia, estava ansioso para estabelecer uma boa marca no início da temporada.

Quando perguntado quando foi a última vez que foi derrotado por um corredor amador, Farah sorriu: “Deve ter sido há pelo  menos 20 anos. Mas é preciso dar o justo crédito para ele. Cross é muito determinado. Alguns atletas meio que olham para você e se constrangem, mas ele não temia ninguém. Acho que é uma boa atitude.”

Foi um choque? “Não é um choque porque é onde estou”, refletiu Farah. “Se eu estivesse em boa forma, seria um choque. Mas a realidade é que é aqui que estou. Você olha para trás e pensa: o que eu preciso mudar no meu treino? O que preciso para competir mais? Para mim, pessoalmente, olho para a corrida que fiz e  não consigo  me ver mudando o ritmo. Eu simplesmente não tinha como fazer isso.”

Futuro incerto para Mo farah

Farah deve correr novamente no Great Manchester Run, de 10 km, em 22 de maio. Depois disso, ele deve jogar no SoccerAid, em 12 de junho, mas seus planos restantes na corrida não estão claros. Em um ponto de suas entrevistas pós-corrida, ele admitiu que seus dias de corrida na pista acabaram. Mas ele também disse que “a Europa e a Commonwealth têm potencial, mas quando se trata do Campeonato do Mundo eu estive lá e ganhei e no momento tenho muito trabalho a fazer para ser competitivo”.

Ele acrescentou: “Estou apenas fazendo uma corrida de cada vez. A partir de hoje, parece que há muito mais trabalho a ser feito.”

Por que ele está tão interessado em continuar treinando e correndo? “Eu simplesmente amo isso!” ele disse.

No entanto, uma coisa é certa, Farah não competirá na Night of  10.000m, em 14 de maio, em Highgate, no norte de Londres. Já Cross  está ansioso para correr na elite desta corrida.

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Sobre Iúri Totti 1379 Artigos
Iúri Totti é jornalista, com mais de 30 anos de experiência na grande imprensa, principalmente na área de esportes. Foi o criador das sessões “Pulso” e “Radicais” no jornal O Globo. Tem 13 maratonas, mais de 50 meias maratonas e dezenas de provas em distâncias menores. "Não me importo em ser rápido. A corrida só precisa fazer sentido, dar prazer."