Ao invés de um tapinha nas costas, uma bronca do treinador, por Ricardo Chester

Outro dia, todo orgulhoso, mostrei pro meu treinador de corrida de rua o registro de um treino longo feito numa manhã de sábado.

Ao invés de um tapinha nas costas tomei uma bela bronca na fuça.
O que me deixava feliz, irritou profundamente o meu técnico.
Ele havia planejado uma distância, fiz 30% a mais, me achando todo pimpão.
Pra quê.
Ouvi de tudo, melhor não publicar aqui.

Pausa para contexto.
No hobby da corrida de rua, especialmente para os que se dedicam a corridas de longa distância, como 21k ou maratona, os treinos de sábado são dedicados aos exercícios de maior continuidade.
Para muitos amadores, como eu, são uma espécie de desafio semanal.
Acho que entender o treino de corrida dessa maneira foi o que mais irritou meu treinador.
Essa devoção ao treinão longo, segundo ele, é coisa de corredor amador mané.
Engoli seco a bronca. Engoli pelos ouvidos.
Pausa para contexto 2.
Meu treinador se chama Marcos Paulo Reis. É um dos responsáveis pelo boom da corrida de rua entre civis no país.
É um niteroiense que trocou a visão invertida do Rio de Janeiro, a partir de Icaraí, pela agitação da capital paulistana. Se você um dia vir a conhecê-lo vai encontrar muitas semelhanças entre São Paulo e Marcos Paulo Reis.
Pratico corrida de rua no seu grupo de treinamento, a MPR, há mais de cinco anos.
E no meio disso, felizmente, ficamos amigos.
Marcos Paulo Reis em pessoa escreve e me passa as planilhas de treinos, todas as semanas.
Pausa para contexto 3.
Eu sou da turma do fundão da MPR. Corro socialmente, digamos assim.
Se um dia lascarem um ranking de desempenho com toda certeza estarei no bloco dos 10% piores, entre quase 1,5 mil alunos.
É porque eu sou um atleta amador relapso? Pode ser. Mas prefiro acreditar que é porque o MPR reuniu atletas amadores de verdadeira performance. Tem cabra na MPR que faz maratona pra menos de 2h40.
Para os senhores terem uma ideia, num dia bom, bom para mim, claro, eu mando uma meia-maratona em 2h10.
Essa pausa para contexto 3 tem a ver com uma das grandes qualidades de Marcos Paulo Reis. Ele trata um de seus piores atletas, no caso eu, como se fosse seu atleta de melhor desempenho, na véspera de ganhar ou pegar pódio numa prova.
A bronca vem nos mesmos decibéis.
E isso que mais encanta no comprometimento e no profissionalismo do meu treinador.
Porque, além de tudo, no seu ramo de negócios, ele está na ponta. Ele é um treinador de elite, digamos assim.
Tento passar ao largo da sua aguçada percepção não enviando feedbacks solicitados (ele pede toda semana), fazendo alguns treinamentos longe dos lugares para onde ele vai quase toda madrugada, bem cedinho mesmo.
Não adianta.
No primeiro encontro presencial, lá vem o perito careca com seu timbre megafônico, falando no meio de todo mundo e de propósito: “você tá gordo, tá fazendo a musculação? você não me escuta, vai se machucar, cadê meu feedback?”
Isso é comigo e isso é com qualquer um dos atletas de quem ele cuida. Padrão seguido, à risca, pelos seus sócios que cuidam de outros tantos atletas.
Isso é admirável, por uma razão.
O sujeito tem 1,5 mil atletas.
Mas ainda está envolvido como se o negócio dele tivesse apenas um único aluno.
Uma vez li algo de Jeff Bezos que não esqueço mais. Na época, e isso foi logo na origem da Amazon, ele previu: não me interessa ter 12 milhões de clientes. Eu quero é ter 12 milhões de Amazons.
Tá certo o senhor Bezos.
Tá certo o meu treinador de corrida.
No mundo de hoje o sucesso é muito no one-to-one.
Tenha você a maior prateleira online do mundo ou um dos grupos de corridas de rua mais procurados do Brasil.
Marcos Paulo Reis acha que está me ensinando a correr maratonas.
Que nada, trenadô.
É muito mais do que isso.
É uma aula de como se atende e se mantém um cliente, não importa o tamanho ou a performance dele.
Mete bronca, Marcão!

Ricardo Chester

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Sobre Iúri Totti 1379 Artigos
Iúri Totti é jornalista, com mais de 30 anos de experiência na grande imprensa, principalmente na área de esportes. Foi o criador das sessões “Pulso” e “Radicais” no jornal O Globo. Tem 13 maratonas, mais de 50 meias maratonas e dezenas de provas em distâncias menores. "Não me importo em ser rápido. A corrida só precisa fazer sentido, dar prazer."