Há uma expressão que diz que a pessoa é um ponto fora da curva por fazer coisas diferentes, ousadas, inovadoras. Mas quando falamos de Marcio Villar é preciso algo além deste “ponto fora da curva”. Nesta segunda (28/1), esse carioca quer encerrar sua vitoriosa carreira de ultramaratonista sendo o único atleta no mundo a dobrar as três corridas que compõem a Copa do Mundo de Ambientes Extremos. Ele vai largar na Arrowhead 135, em Internacional Falls, em Minessota nos Estados Unidos, uma das 50 ultramaratonas mais difíceis do mundo, com temperaturas oscilando entre -30º e -40 graus Celsius. Essa prova está em sua 15ª edição, que começou com 10 corredores e hoje está com 150 inscritos. Sua média de concluintes é de 35%.
Mas se já não bastasse correr os 217km em um percurso totalmente coberto pela neve, Marcio Villar quer dobrar essa distância e, finalmente, deixar para trás as frustrações de não ter completao os 434km em três tentativas. “Chegou a hora. A mente está forte, focada”, diz ele, direto de Internacional Falls, considerada a cidade mais fria dos Estados Unidos.
A Arrowhead 135 começa nesta segunda, às 7h (11h no horário de Brasília) e termina na quarta. Ao encerrar essa primeira perna, Marcio Villar vai retornar sozinho para o local da largada.
Na primeira fase, Marcio Villar vai correr com o também brasileiro Diego Costa, que fará sua estreia na Arrowhead 135. Na sua volta para a linha de largada, o recordista mundial em esteira (827,16 quilômetros percorridos em cima de uma esteira, em sete dias, em 2015) e do Caminho de Santiago de Compostela (820km em 6 dias, 11 horas e 2 minutos), terá o apoio do amigo brasileiro. “O Diego é um grande amigo. Ele entrou na ultramaratona por minha causa e vem correndo cada vez mais grandes distâncias, já tendo feito a Ultra dos Anjos e a Brazil 135, que o credenciou a poder correr a Arrowhead”, diz Márcio Villar.
Como Diego Costa nunca tinha visto neve, a dupla chegou uma semana antes aos Estados Unidos. “Chegamos uma semana antes para aclimatação. Antes de vir, já tinha orientado o Diego sobre todos equipamentos e materiais que iríamos precisar”, conta Marcio Villar. “Fizemos treinos dentro de frigorífico e durante toda essa semana fizemos vários simulados, testando várias camadas e combinações de roupas, meias e luvas. Simulamos também ele montando o saco de dormir na neve. O engraçado é que quando ele estava deitado dentro do saco, parou um carro da polícia e um policial veio saber o que ele estava fazendo ali.”
Pela primeira vez Marcio Villar terá uma equipe de apoio na Arrowhead 135. “Dessa vez será diferente. Nas outras vezes que corri aqui via vários atletas indo juntos para não terem perigo de estarem sozinho durante a madrugada na floresta congelada. Eu sempre enfrentei tudo só, mas dessa vez vamos fazer um trabalho em equipe. Vamos juntos do início ao fim se ajudando e, na minha volta, ele vai me dar apoio junto com um senhor americano chamado Frank.
“Chegou a hora. Obrigado pelo carinho e oração de todos! Agora é ir e aproveitar o que tivermos pela frente. Fácil, sabíamos que não seria, então é curtir nossa prova e comemorar nossas conquistas no sábado com minha prova e o dobro do Marcio”, afirma Diego Costa antes da largada.
No retorno de Marcio Villar, lágrimas ao fim de 100km na areia durante o Rei e Rainha do Mar no último fim de semana no Rio
É possível acompanhar o desafio de Márcio Villar através de um dispositivo de geoposicionamento.
O que te levou a fazer esse desafio de fazer 434km na Arrowhead 135?
Marcio Villar: “Quero me tornar o único atleta do mundo a dobrar todas as provas da Copa do Mundo de Ambientes Extremos. Já tripliquei a Brazil 135, fazendo 651km na Serra da Mantiqueira, e dobrei, com recorde, a Badwater, com 434km, no Vale da Morte, na Califórnia, nos Estados Unidos. Já tentei por três vezes dobrar a Arrowhead 135 e nunca consegui. Sair do calor infernal do Rio e enfrentar uma temperatura de 40 graus negativos é complicado. Essa é a minha última tentativa e vai dar tudo certo. Deus está comigo e agora é pelo Médicos Sem Fronteiras. A causa é nobre e por isso vou correr para arrecadar fundos para eles. A minha causa filantrópica chegou ao exterior. Vou correr leve e feliz para conquistar esse sonho que já dura 10 anos”.
O que essa prova significa para você?
Marcio Villar: “Ela significa tudo. Significa que você não deve desistir dos seus sonhos, não importa a situação em que você esteja. No Natal, meu irmão perguntou ‘por que eu iria tentar fazer mais uma vez? Você já tentou por três vezes e era quando estava ganhando tudo, batendo recorde, não conseguiu. Agora, com uma doença autoimune, com prótese no quadril e uma cirurgia na coluna, com dores. O que é que você vai fazer lá? Não faz isso não’. Eu disse que o momento é agora. É agora que eu vou conseguir. Chegou a hora. A mente está forte, focada. Meu grande amigo Ernesto sempre fala para mim: Por que ficar arriscando sua vida? Eu estou escrevendo tenho um terceiro livro, que é sobre quando eu comecei a dobrar as provas, mas ele só vai sair quando eu dobrar essa. Ele diz que o título tem que ser ‘Todas menos uma’. A primeira coisa que eu vou falar quando cruzar a linha de chegada vai ser ‘Todas menos uma é o caralho. Todas são todas'”.
O que te motiva nesses desafios?
Marcio Villar: “O que me motiva é correr pelo próximo.. Depois que eu descobri a filantropia, as coisas começaram a ter outro sentido para mim. Correr por correr não tem mais mais graça. É mais um troféu na estante, mais uma medalha. Depois que eu descobri a filantropia, correr por uma causa é emocionante. Já consegui 32 transplantes de coração para crianças, não conheço ninguém no mundo que tenha feito isso. São mais de 180 mil pacotes de leite em pó para o Hospital do Câncer. Embaixador do Projeto Juquinha, no Pará, que cuida de 180 crianças especiais. Seis anos cuidando de um asilo em Jacarepaguá. Agora não vai ser diferente. Vou correr pelo Médico Sem Fronteiras.
Como foi sua preparação para esse desafio?
Marcio Villar: “A preparação para esse desafio foi ao contrário de tudo que já fiz. Eu sempre ganhei peso antes de começar os desafios para ter o que queimar. Agora fiz ao contrário. Emagreci 10kg, estou bem magro para não ter muita pressão na coluna.
Qual vai ser sua estratégia para a prova?
Marcio Villar: “Como a neve está muito fofa porque não para de nevar e como vou dobrar a prova, tendo que me poupar. A melhor estratégia é deixar o pessoal ir na frente para socar a neve e eu vou depois”.
Por que você decidiu que este seria seu último grande desafio?
Marcio Villar: “Para poder ficar mais com a família, curtir a minha mulher. O que eu faço requer que muito treinamento, muito tempo afastado da família durante a competição, chegando a ficar um mês fora. Eu já conquistei muita coisa e agora é hora de passar o bastão para outro. Mas a parte filantrópica eu não vou deixar de fazer. Só vou parar com esses grandes desafios que tenho que viajar para longe. Vou continuar fazendo os 100km do Rainha do Mar para os transplantes de coração para crianças, os desafios de 100km para o Hospital do Câncer. Cem quilômetros eu saio de manhã e volta no fim de tarde para casa. É um dia só. Não tem problema e eu não fico longe da família. Se eu parar de correr, eu morro.”
Que filme passa na sua mente nesses momentos?
Marcio Villar: “Só tem um. Eu conseguindo dobrar essa prova e chorando de alegria. Sei que vai ser sofrido, vão ser 434km. Estou aqui no local da prova, a neve está muito fofa e não para de cair. Difícil vai ser, mas desta vez vou conseguir realizar este sonho.”
Se pudesse nascer de novo, o que você faria de diferente do que fez até agora nas corridas?
Marcio Villar: “Ajudaria mais causas sociais. Porque eu corro para ser feliz, sorrindo, cantando, brincando. Corro para ajudar os outros. É a coisa que mais amo de fazer na vida. Não mudaria nada. A vida é uma só, então temos ser feliz e fazer aquilo que amamos, pois não sabemos se amanhã estarmos vivos.”
Nos últimos anos você passou por sérios problemas de saúde. Como ela está agora?
Marcio Villar: “Tive uma doença autoimune rara, a arterite temporal juvenil, que não tem nada a ver com a corrida. Como tomei muita corticóide em doses maciças para curar essa doença, a cabeça do fêmur direito acabou sendo corroída, por isso tive que colocar uma prótese no quadril. A saúde está boa. Estou feliz e triste ao mesmo tempo. Feliz por estar aqui tentando novamente realizar o meu sonho. Por isso eu digo para nunca desistir do sonho, por mais que demore. Um dia a gente chega lá. Triste por não fazer mais essas loucuras. Quero me aposentar para ficar mais com a família, mas vamos ver se vou conseguir ficar longe disso tudo, pois isso é o meu vício.”
Iúri Totti é jornalista, com mais de 30 anos de experiência na grande imprensa, principalmente na área de esportes. Foi o criador das sessões “Pulso” e “Radicais” no jornal O Globo. Tem 13 maratonas, mais de 50 meias maratonas e dezenas de provas em distâncias menores. “Não me importo em ser rápido. A corrida só precisa fazer sentido, dar prazer.”