Espaço do Atleta: Relato de Luis Guedes na Maratona do Rio de Janeiro 2017

Luis Guedes recebe o apoio do filho em Ipanema durante a Maratona do Rio 2017. Arquivo pessoal
Luis Guedes recebe o apoio do filho em Ipanema durante a Maratona do Rio 2017. Arquivo pessoal

A primeira vez de um cinquentão

O corpo humano não foi feito para correr 42 quilômetros sob sol escaldante. Mas o que é a vida sem desafios? A vontade de superar os limites é o que move a maratona, prova que me fascina desde criança. Lembro bem, ainda na década de 70, quando o jornalista José Inácio Werneck organizava a Maratona Atlântica Boavista-Jornal do Brasil.

Junto com meu irmão mais novo e de mãos dadas com o meu pai, ficávamos na Praia de Copacabana acompanhando a multidão de atletas passar pela Avenida Atlântica. Admirava o esforço de cada um deles. Via a fisionomia compenetrada daqueles guerreiros anônimos, alguns se arrastando, mancando, mas nenhum desistia.
Flashes que ficaram registrados na minha mente e deflagraram, bem mais tarde, a vontade de fazer uma maratona. Depois de participar, desde 2005, de dezenas de meias maratonas (perdi a conta) e duas provas da São Silvestre, coloquei como meta que, antes dos 50 anos, enfim completaria os 42 quilômetros.
Infelizmente, lesões que atormentam os marinheiros de primeira viagem impediram que meu plano fosse à frente e só agora, aos 50 anos completados em fevereiro, apesar das pequenas e administráveis lesões, senti que havia chegado o momento. Os treinos foram incessantes até que chegou o grande dia.
Diante do belo visual da Reserva e da Barra da Tijuca, a primeira metade da prova saiu como planejado. Sabia que a pedreira estava por vir e o primeiro obstáculo aconteceu na subida do Elevado do Joá, onde a velocidade foi reduzida para que chegasse sem traumas na Praia de São Conrado. A estratégia deu resultado e teria início a fatídica subida da Avenida Niemeyer, quando o corpo passa a dar claros sinais de fadiga.
A esta altura, o sol inclemente já mostrava as garras e feria até os corredores mais experientes. Da descida da Niemeyer em diante, o que faltou de fôlego, sobrou de emoção. Logo no início do Leblon, lá estava o meu filho a me esperar e me acompanhar até Ipanema.
Renovado pela felicidade, corri ao lado dele até a Rua Vinicius de Moraes. Lá recebi o carinho e o incentivo da minha filha e de minha mulher, com quem farei em dezembro 20 anos de completa parceria. Antes de cruzar a Rua Francisco Otaviano, amigos de toda uma vida me aplaudiram e segui adiante, sabe Deus como.
A partir daí, o cansaço falou mais alto e não tive opção, senão a de alternar caminhadas com corridas, mas sem perder o foco da linha de chegada. Em Copacabana, encontrei a força do meu sogro na Rua Santa Clara e, logo depois da Rua Siqueira Campos, meus pais, minha irmã, tios e primas queridas se uniram em um só objetivo: me empurrar para a frente.
Uma das primas queridas também foi um anjo da guarda e me conduziu passo a passo, até o Aterro do Flamengo, repetindo o mantra “falta pouco.” O segundo mantra que ouvi várias vezes, “você agora vai fazer parte de um por cento da população mundial” era entoado pelo meu treinador, que, há muito tempo, desde que se casou com a minha prima anjo da guarda, ultrapassou a condição de coach para amigo de fé.

Foi outro ao meu lado, nos momentos mais difíceis e finais do percurso. Gastei 5h15m da Praia da Reserva até o Aterro, tempo bem maior do que previa, mas posso sentir o orgulho de agora dizer que sou maratonista.
Na chegada, aplausos de amigos e de colegas da equipe de corrida, beijos e abraços dos pais, filhos e mais tios queridos amenizaram as dores em partes do corpo que desconhecia. E, nossa, como foi bom ver a família reunida e me dando tanto carinho.
Lembranças que vou levar para sempre.
Cambaleando até o bar para o chope da vitória, meu pai ainda me aconselhou para deixar de lado essa história de maratona, uma vez que, agora, era um desafio superado.
Vou pensar no conselho, mas o problema é que, mesmo cinquentão, temo ter sido contaminado pelo vírus da maratona…”
Luis Guedes

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Sobre Iúri Totti 1379 Artigos
Iúri Totti é jornalista, com mais de 30 anos de experiência na grande imprensa, principalmente na área de esportes. Foi o criador das sessões “Pulso” e “Radicais” no jornal O Globo. Tem 13 maratonas, mais de 50 meias maratonas e dezenas de provas em distâncias menores. "Não me importo em ser rápido. A corrida só precisa fazer sentido, dar prazer."