Minha primeira experiência na Mizuno Uphill Marathon, na estreia da prova, em 2013

As curvas da Serra do Rio do Rastro, palco da Mizuno Uphill Marathon, em Santa Catarina
As curvas da Serra do Rio do Rastro, palco da Mizuno Uphill Marathon, em Santa Catarina

Neste sábado (3/9), a Mizuno Uphill Marathon chega à sua quarta edição. Fiz as duas primeiras e, nessa hora, bate uma vontade enorme de estar junto aos 600 maratonistas que largarão em Treviso e chegarão lá no alto da Serra do Rio do Rastro. E quem sabe, se estivesse bem treinado (compromissos profissionais estão me impedindo), não estaria lá… Como não posso deixar de falar dessa prova incrível, repito hoje meus dois relatos sobre a minha participação, que me emociona bastante.
“Quando fui convidado pela Mizuno para participar da prova – entre o fim de julho e início de agosto (2013) – não puderam me adiantar os detalhes. Me disseram apenas que seria uma maratona em um lugar fora do comum. Imaginei mil coisas e mil lugares para poder correr. Dias depois do convite, descobri que o organizador era Bernardo Fonseca, da X3M. Conhecendo seu currículo, como corredor e promotor do XTerra, já imaginei o que viria pela frente.
Logo em seguida, encontro Bernardo no XTerra de Mangaratiba. Ele me adianta que seria uma prova só de subida, mas não me disse que onde seria, mas alertou que não seria fácil.
Os momentos da primeira edição da Mizuno Uphill Marathon. Lágrimas na apresentarão da prova, lágrimas na chegada
Como minha cabeça estava totalmente voltada para a minha prova-alvo do ano, a Maratona de Chicago, em 13 de outubro, só pensaria na Mizuno Uphill Marathon após o meu retorno ao Brasil. Dias depois da minha volta dos Estados Unidos, em 19 de outubro, uma ressonância magnética diagnosticou que eu estava com um edema na canela esquerda, que se não fosse tratada, resultaria numa fratura por estresse. A recomendação era para ficar três semanas longe da corrida. Diante disso, relaxei e pensei várias vezes em abrir mão do convite da Mizuno. Mas quando fui para São Paulo ver a apresentação do projeto da Uphill, em 9 de novembro, percebi que aquela prova seria única. Pensei: “vai que não tem uma nova oportunidade”. Passado o tempo de estaleiro, resolvi encarar o desafio.
Decidido a fazer a prova, combinei com meu treinador João Montenegro, da Runners Club, que precisaria treinar para subir a Serra do Rio do Rastro. Como o tempo até a Uphill era curto, estava consciente que usaria o lastro da Maratona de Chicago, mas não na sua plenitude. Fiz duas subidas até a Mesa do Imperador e Vista Chinesa. Distâncias bem abaixo do ideal para uma maratona – Vania Wong e Luiz Fernando Bastos que também participariam da Uphill, por exemplo, estavam fazendo treinos de 30km. Sem pretensões de desempenho, minha meta era chegar aos 21km da Uphill abaixo das 2h30m, tempo limite para o corte.
A estratégia mental foi combinada com a minha sport coach, Vanessa de Figueiredo Protásio: curtir a prova. E foi o que fiz. Curti muito essa prova, em todos seus instantes. Revi amigos e conheci outros.
Duas coisas me emocionaram muito nessa prova. A primeira aconteceu após o congresso técnico, na sexta-feira, quando um vídeo com uma mensagem da minha mulher apareceu no telão. Que porrada, produção (Raphaela Rodrigues, Jaqueline Azizi e Simone Gomes)! Chorei de soluçar…
A outra, foi a garra, a perseverança e a entrega de Yara Achôa. Companheira da equipe Imprensa nas três edições dos 600k da Nike (2009, 2010 e 2011), Yara mostrou que as palavras de incentivo de incentivo de Bernardo Fonseca e Clayton Conservani – que fizeram a Maratona e a Ultramaratona da Antártida – entranharam em sua mente nos 42km da Uphill.

Colagem da MIzuno Uphill 2013Colagem da MIzuno Uphill 2013 | Arquivo pessoal

Como não tinha pretensões de performance – só não podia ser excluído pelo corte de tempo – larguei tranquilo. Para ser mais preciso, em último. Durante 5km, fui num bloco de corredores com Yara, Jack Reis e Betina Baletta. Após a estrada de terra enlameada, Jack e Betina começaram a acelerar no asfalto. Fiquei sozinho por alguns quilômetros, até que Yara me alcançou. Passamos a correr juntos e assim fomos num ritmo agradável até os 21km. Completamos a primeira metade da prova em 2h12m.
Eu já tinha alcançado meu objetivo principal, fechando a distância antes da hora do corte. Naquele momento, nem pensava em parar. Estava bem para continuar. A experiência de cinco maratonas iria contar muito.
Depois de um pit stop para repor as energias na tenda armada pela organização com comida e bebida, partimos para a segunda parte da Uphill. O primeiro sinal que as coisas iriam ficar duras dali em diante aconteceu antes dos 22km.
Yara começou a reclamar de câimbras nas duas panturrilhas. Mas como é guerreira, decidiu ir em frente. Em alguns momentos, eu acelerava um pouco e ela me acompanhava. Perguntava se o ritmo estava forte, ela respondia que estava bom. A gente ia contemplando a paisagem, cumprimentando as pessoas pelo caminho. E ela ia contando os bichos que via para “manter a sanidade” (palavras dela).
Preocupado em não fazer a Yara correr a minha corrida – ensinamento valioso da coach Vanessa – deixei minha brava parceira sozinha e fui me afastando. Volta e meia olhava para trás para ver se estava tudo bem com ela. A partir do Km 30, o que até então era um falso plano, transformou-se em uma única subida.
Logo no início da Serra do Rio do Rastro, passei a sentir os músculos posteriores das coxas. Fui diminuindo o ritmo e a Yara chegou. Por 2km aguentei o tranco, até que resolvi parar. Já não conseguia mexer as pernas. Minha companheira insistiu para que eu continuasse, pois se eu desistisse, ela não teria forças para seguir. Apesar da insistência dela, procurei ajuda na ambulância.
Após fazer massagem com um anti-inflamatório em spray – os músculos da parte posterior da coxa estavam cheios de nós pelo acúmulo de ácido lático -, e com as palavras da Yara na mente, que também pediu para ter as pernas massageadas enquanto eu estava na ambulância, voltei para a corrida. Não era mais por mim, mas sim por ela, que, naquele momento, estava muito mais focada na prova do que eu. Eu entrei na corrida da Yara…
Minha parceira começou a sentir frio. O médico da ambulância deu um par de luvas de látex para que ela pudesse aquecer as mãos. As câimbras ainda a maltratavam, mas não o suficiente para derrubá-la. Ela queria acabar a prova. No Km 36, ela quase sucumbiu por causa das dores. Entrou novamente na ambulância e recebeu mais massagens. E um incentivo do médico: dipirona na veia para aliviar as dores. Refeita, Yara voltou para a pista.
Enquanto Yara era atendida, eu segui em frente. Não mais correndo, mas andando. Ia curtindo a paisagem da Serra do Rastro, com sua vegetação, sua cachoeira de 12 quedas e a forte neblina, que deixava a visibilidade muito baixa. Também ia olhando o relógio para ver quantas horas faltavam para às 13h (tempo máximo para o fim da prova). Fazendo 11 minutos por quilômetro, dava para chegar ao fim sem atropelos.
Na maior parte do tempo estive sozinho. Em alguns momentos, um carro da Polícia Rodoviária descia com um comboio de carros. Em duas oportunidades, um pelotão de ciclistas também descia a serra, falando palavras de incentivo e oferecendo água, isotônico ou gel.
Conforme ia vencendo as curvas (foram 256 no total) da estrada, ia gritando o nome de Yara. E a cada curva que eu deixava para trás, eu ficava imaginando que seria a última. Quando passava um motoqueiro da organização, eu pergutava:

  • Falta muito

  • Não. É logo ali – respondia o motoqueiro.

E esse ali não chegava nunca. Por causa da forte neblina, a gente não tinha noção do que ainda tínhamos que subir, , o que fez um bem psicológico incrível.
Quando ouvi um som diferente do que saia do meu mp3, percebi que estava me aproximando do fim e que não teria mais que subir, voltei a correr… agora no plano. Quando me aproximei do pórtico, perguntei ao Bernardo Fonseca onde estava a Yara. Ele me disse que ela estava próxima. Voltei para encontrá-la, pois fazia questão de terminar a prova ao lado dela.
Após 5h32m, cruzamos a linha de chegada de mãos dadas. Yara começou a chorar. Ela falava que não queria mais aquilo, que não queria mais correr. Abraçados, disse que a ela que a Uphill tinha acabado… Que ela tinha que comemorar muito.
Parabéns a Leonardo Maciel, campeão no geral, e Mirlene Picin, melhor do feminino, mas, para mim, Yara Achôa foi a grande vencedora. Ela suportou muita coisa para completar a prova. Sofreu muito e não esmoreceu em nenhum momento. Sou fã dessa mulher.
Sobre a prova, gostei de tudo. Do início ao fim. Da ideia e da realização. A Mizuno e a X3m estão de parabéns.”

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Sobre Iúri Totti 1379 Artigos
Iúri Totti é jornalista, com mais de 30 anos de experiência na grande imprensa, principalmente na área de esportes. Foi o criador das sessões “Pulso” e “Radicais” no jornal O Globo. Tem 13 maratonas, mais de 50 meias maratonas e dezenas de provas em distâncias menores. "Não me importo em ser rápido. A corrida só precisa fazer sentido, dar prazer."

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