Morte de corredor no Espírito Santo: o que é preciso para uma prova de obstáculos ser segura

Corredores enfrentam um dos obstáculos da King´s Race, em Vila Velha (ES)., onde Wagner Carneiro Leão morreu, no último sábado

Por causa da morte do músico e professor Wagner Carneiro Leão, no último sábado, durante a King’s Race, em Vila Velha, no Espírito Santo, o site Eu Atleta traz uma reportagem hoje, assinada por Renata Domingues, sobre os cuidados que os corredores devem ter antes de se inscreverem em provas de obstáculos.
Corredor faz um skibunda na King´s Race, em Vila Velha (ES). Foto de divulgação

O espírito aventureiro e a vontade de ficar mais perto da natureza leva corredores a deixarem o asfalto de lado e cada vez mais buscarem provas diferentes, como as de montanha, aventura e obstáculos. Mas não basta se inscrever, arrumar as malas e partir para o desafio. É preciso treinar muito e se informar sobre percursos, organização e condições da prova escolhida. Ainda assim, acidentes acontecem, e, infelizmente, às vezes são fatais. Foi o que aconteceu com o maestro e professor Wagner Carneiro Leão, atleta amador do Rio de Janeiro, que disputava a King’s Race, nesse sábado, no Espírito Santo.

Wagner estava na segunda bateria e no quinto obstáculo da prova quando o acidente aconteceu. Ele foi atingido por uma palmeira que estava sendo utilizada como apoio para uma rede, onde o corredor precisava subir. O laudo oficial ainda não saiu, mas, de acordo com os médicos que prestaram os primeiros socorros imediatamente após o ocorrido, a árvore atingiu a região pélvica dele, ou seja, a cintura, enquanto ele estava correndo em direção ao obstáculo. O corredor de 39 anos foi levado por uma ambulância que estava no local, mas não resistiu e morreu no Hospital São Lucas, em Vitória.

Para tentar entender melhor o que aconteceu com Wagner, o Eu Atleta consultou Bernardo Fonseca, diretor da X3M, que organiza no Brasil há mais de 10 anos a corrida de obstáculos Spartan Race, além de provas como XTerra e De Braços Abertos. Adepto a esportes radicais, ele diz que a Spartan, que acontece em 40 países, segue inúmeros manuais de montagem e segurança. Segundo ele, as plantas dos obstáculos são assinada por engenheiros e, após a montagem dos equipamentos, uma equipe americana e o Corpo de Bombeiros checam tudo.

– A Spartan existe há mais de 10 anos. Nós seguimos uma franquia, onde tudo é megaplanejado e exaustivamente testado. Temos um manual gigante, e mesmo assim os americanos chegam aqui uma semana antes para monitorar e fiscalizar tudo. O projeto acontece em 40 países e nunca existiu um acidente grave. Para se ter a legalização da prova passamos por diversos órgãos que aprovam as plantas, planos, etc. O Cref (Conselho Regional de Educação Física) é um deles, Bombeiros outro, Federação do esporte, quando existe, também – explicou.

Bernardo Fonseca, da X3M
Bernardo lamentou muito a fatalidade do Espírito Santo, ressaltou o fato de o atendimento à vítima ter sido imediato, e, claro, por questões éticas, preferiu não comentar o ocorrido com outra empresa. No entanto, estranhou quando leu que o acidente se deu com uma palmeira.

– Não se pode amarrar nada em árvore, independentemente do que seja. Não se pode calcular o peso que o obstáculo poderia sustentar – afirmou.

É preciso cuidado com árvores em outros esportes também. Por exemplo, o slackline usa basicamente árvores para amarrar a fita quando é feito nas ruas. E não é qualquer árvore que vai servir de base segura para a atividade. Instrutor de slackline, André Lopez alerta que elas devem ter diâmetro mínimo de 30cm e diz que é importante saber há quanto tempo ela foi plantada para se ter noção do tamanho das raízes. Segundo ele, coqueiros só são aconselháveis quando estão saudáveis, não forem novos, nem baixos, nem finos demais, e quando se sabe a origem da palmeira.

– Tem que ter o bom senso de não armar em árvores novas ou fracas.  Mas, para isso, temos que ter conhecimento da árvore de alguma forma, perguntando para algum local, por exemplo, há quanto tempo ela está por ali – disse.

Na King’s Race, havia 15 obstáculos de diversos tipos. Alguns são naturais, como trilhas, ladeiras, lama, por exemplo, e outros projetados pela organização, como pista de rastejo, campo minado, escaladas, entre outros. A prova de sábado tinha 5km de distância, e era dividida em duas categorias: elite, para atletas com melhor condicionamento, e família, para iniciantes e crianças.  Cerca de 300 competidores participaram da etapa de Vila Velha. O valor das inscrições variou de R$ 40 a R$ 70, mais taxas de serviço.

Procurada pelo Eu Atleta, a organização da corrida, disse que se limitaria a “manifestar-se por meio da nota já divulgada”. No comunicado (leia a íntegra abaixo), a empresa diz que não havia necessidade de laudo do Corpo de Bombeiros, porque os obstáculos não tinham mais de 5m de altura. Afirma que Wagner foi imediatamente socorrido e levado ao hospital e o obstáculo interditado. A empresa ressalta que está prestando todo o apoio à família e custeando a ida da mesma ao Espírito Santo.

Wagner era morador de São João de Meriti, no estado do Rio de Janeiro, começou a correr há cerca de seis meses e se apaixonou pela atividade. Antes disso, ele estava acima do peso e iniciou no esporte em busca de saúde e qualidade de vida. Maestro e professor, ele participava de provas dentro e fora do Rio, e esteve na São Silvestre de 2016. Há cerca de dois anos, perdeu o filho único, que tinha 16 anos, de forma trágica. O menino foi atropelado.

A íntegra da nota oficial da organização da King’s Race:
“A empresa King’s Race, organizadora da corrida com obstáculos, realizada neste sábado (18), no Rancho Forte, em Morada da Barra, Vila Velha, vem a público lamentar o acidente com o corredor Wagner Carneiro Leão, do Rio de Janeiro. A morte do participante abalou profundamente a equipe organizadora do evento. A empresa informa que está prestando toda a assistência necessária à família de Wagner. Ele morreu após ser atingido por um coqueiro que caiu durante a corrida.
A corrida, da qual participaram cerca de 300 pessoas, possuía em seu trajeto 15 obstáculos. Todos eles foram testados nos dias anteriores ao evento por organizadores e por atletas. Os últimos testes foram realizados ontem (sexta-feira, 17). A King’s Race entrou em contato com o Corpo de Bombeiros sobre a necessidade de liberação dos obstáculos, mas foi informada de que somente obstáculos superiores a cinco metros de altura necessitavam de testes, o que não era o caso.
O incidente com Wagner ocorreu por volta das 10h30 deste sábado, quando ele passava pelo quinto obstáculo, que consistia em uma rede afixada entre dois coqueiros, aparentemente íntegros, sobre a qual os corredores tinham que passar. Mais de 50 pessoas já haviam ultrapassado o obstáculo, quando Wagner se aproximou e foi atingido pelo coqueiro em queda. Após o acidente e a prestação de socorro ao corredor, o obstáculo foi interditado, e a corrida continuou, sem registro de outras ocorrências.

Wagner foi imediatamente socorrido pela ambulância que estava no local à disposição dos corredores e levado com vida para o Hospital São Lucas, em Vitória, mas faleceu antes de receber atendimento médico. A King’s Race comunicou a família sobre o acidente e está prestando toda a assistência necessária, custeando a vinda de familiares ao Estado para os procedimentos de liberação e transporte do corpo para o Rio de Janeiro.
Foi a primeira vez que Wagner participou de uma corrida de obstáculos no Espírito Santo, mas ele era adepto do esporte, de acordo com informações repassadas por conhecidos. Segundo informações fornecidas pela família de Wagner a King’s Race, ele tinha 39 anos, era músico e não deixa filhos.

A King’s Race destaca que promoveu, no ano passado, corridas de obstáculos em Pedra Azul e em Matilde, e nunca havia registrado nenhum acidente. A empresa reafirma que lamenta profundamente o ocorrido e reforça o compromisso com a família do corredor.” 

 

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Sobre Iúri Totti 1379 Artigos
Iúri Totti é jornalista, com mais de 30 anos de experiência na grande imprensa, principalmente na área de esportes. Foi o criador das sessões “Pulso” e “Radicais” no jornal O Globo. Tem 13 maratonas, mais de 50 meias maratonas e dezenas de provas em distâncias menores. "Não me importo em ser rápido. A corrida só precisa fazer sentido, dar prazer."

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