O cérebro também precisa de treinamento para otimizar resultados e evoluir no esporte

Do blog Santa Corrida, de  Daniela Santarosa 
Treinadores esportivos das mais diversas modalidades são unânimes em afirmar que a mente de qualquer atleta deve ser preparada tanto quanto o seu corpo. É inegável a importância de estar forte por dentro e por fora para otimizar resultados e evoluir. Mesmo que a metodologia de treinamento físico esteja sendo aprimorada dia após dia, nada terá eficácia se não for trabalhado, em sinergia, os aspectos emocional e intelectual.
Basta observar os atletas que se destacam. Confiança, determinação, resiliência, coragem, paciência, dentre tantas outras qualidades, não surgem do nada. As maiores escolas e clubes mundiais têm hoje, em seu quadro de profissionais, psicólogos encarregados de “turbinar” o cérebro de seus talentos, desde cedo.
Para entender melhor do assunto, fui atrás de recursos para mergulhar à fundo nesse universo de preparação de atletas de alta performance. E descobri, entre tantas técnicas utilizadas, o EMDR. A sigla, que em inglês significa Eye Movement Desensitization, pode ser definida como “Dessensibilização e Reprocessamento por meio dos Movimentos Oculares” e foi criada por uma estudante de Psicologia, no final da década de 80.
O nome dela? Francine Shapiro. Sua descoberta foi meio por “acaso”. Francine estava caminhando pelo parque da cidade de Los Gatos, na Califórnia. Os pensamentos perturbadores que ela tinha, de repente, começaram a desaparecer. Quando ela voltou a pensar neles, se deu conta que já não incomodavam como antes. Aos poucos, foi percebendo que, quando um pensamento perturbador vinha à mente, seus olhos começavam a se mexer rapidamente. Parecia que os movimentos oculares conseguiam fazer com que o pensamento incômodo “saísse” da sua mente consciente. Quando voltava a pensar naquilo, tinha perdido muito da sua carga negativa.

Então, ela começou a experimentar deliberadamente, pensando sobre coisas do seu passado e presente que lhe incomodavam enquanto ela mexia os olhos. Todas as vezes que fazia isso a perturbação cessava. Decidiu descobrir se isso funcionaria com outras pessoas e, então, fez experiências com seus amigos. Pedia que eles seguissem o movimento dos seus dedos como uma forma de ajudá-los a manter os movimentos oculares enquanto eles estivessem pensando em coisas perturbadoras. Depois de experimentar com mais de 70 pessoas, foi confirmado que o processo tinha dessensibilizado os pensamentos perturbadores.
Francine foi aperfeiçoando a técnica e chamou-a de EMD, Eye Movement Desensitization e, em 1990, expandiu o conceito para EMDR, Eye Movement Desensitization and Reprocessing, para incluir o conceito de processamento e aprendizagem. Estava convencida que os movimentos oculares poderiam processar as lembranças traumáticas, libertando a pessoa para que pudesse ter condutas mais adaptativas e funcionais.
Em 1998, a Dra. Shapiro experimentou seu novo método com 22 voluntários, veteranos da guerra do Vietnã ou vítimas de estupro, ou abuso sexual, e que tinham os sintomas do Transtorno de Estresse Pós-Traumático. A metade do grupo recebeu uma sessão de EMDR, enquanto que ao outro grupo (grupo controle) se pediu apenas que contassem o seu trauma em detalhe. O grupo demonstrou melhorias significativas; o grupo controle, não. Por questões éticas, depois se aplicou também a terapia EMDR com o grupo controle. Ao averiguar um mês depois e aos três meses depois do tratamento, todos os pacientes tinham mantido os resultados positivos da sua sessão de EMDR.
Uma experiência surpreendente
Interessada em aprofundar meus conhecimentos sobre o tema, fui atrás de um profissional que aplicasse tal método. E, há seis meses, virei “cobaia” no consultório de Maury Braga, que – além de psicólogo – é praticante de atletismo. No começo, achei meio estranho ser estimulada através do método, no qual você acompanha os dedos do terapeuta com os olhos e fala o que vêm a mente, elegendo, a cada série de sessões, um tema. Por exemplo: se vai correr uma maratona, é simulado o ambiente de competição, as sensações, as emoções. Em resumo, você antecipa o ambiente de prova e processa mentalmente tudo o que vai enfrentar.
Quando fui à Mizuno Uphill Marathon, nesse ano, consegui verificar in loco a eficácia do EMDR. Tinha feito uma maratona seis dias antes e me preparei, durante um bom tempo, para ter confiança para cruzar a linha de chegada. Imaginei o vento cortando meu rosto; a voz de incentivo dos amigos; o som das minhas passadas no asfalto. Simulei a prova “perfeita”. Me fortaleci.

Recursos como esses, ao meu ver, são essenciais para incrementar o treinamento e deveriam ser incluídos na agenda de todo corredor, do amador ao profissional. Temos dias bons, dias ruins, mas quem compete sabe que o dia “D” (da competição) é o momento em que nos definimos como atletas. Nesse momento, mostramos a nós mesmos, primeiramente, do que somos capazes de fazer. Porém, antes disso, precisamos de perseverança e, principalmente, de confiança para chegar lá.
Recomendo que cada um busque esse “treinamento” mental, visando sua meta, seja ela qual for: começar a correr, correr 10k, 21k, 42k ou uma ultramaratona. Não só um atleta, mas todo ser humano, só evolui de verdade se estiver forte por fora – e, principalmente, por dentro.

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Sobre Iúri Totti 1379 Artigos
Iúri Totti é jornalista, com mais de 30 anos de experiência na grande imprensa, principalmente na área de esportes. Foi o criador das sessões “Pulso” e “Radicais” no jornal O Globo. Tem 13 maratonas, mais de 50 meias maratonas e dezenas de provas em distâncias menores. "Não me importo em ser rápido. A corrida só precisa fazer sentido, dar prazer."