Tributo ao ultramaratonista Orlando Yamanaka

Orlando Yamanaka, de 59 anos, a "Enciclopédia da Ultramaratona". (Reprodução)
Orlando Yamanaka, de 59 anos, a "Enciclopédia da Ultramaratona". (Reprodução)

Por Ricardo Nishizaki*

Eu não conhecia o Orlando (Yamanaka, de 59 anos, que morreu na noite desta segunda-feira (22) após sofrer um acidente durante uma das provas da Ultra-Trail du Mont-Blanc) pessoalmente. Certamente estivemos nas mesmas provas trail por aí, cheias de desafios, montanhas, lindos visuais e perrengues monstros, mas ele provavelmente seguia à minha frente nas provas.

Não só por ser mais capacitado que eu, mas também por ser um grande estudioso e um grande conhecedor de todas as provas do mundo trail. Sabia onde ficava cada inclinação, a distância entre os postos de controle, sabia que um determinado trecho tinha um terreno mais complicado, que o topo da próxima montanha poderia ser muito frio. Ele podia nunca ter estado ali, mas já tinha conversado com alguém, lido algo, visto um vídeo, era um pesquisador infatigável e apaixonado desse mundo trail.

E ele não fazia isso só para encarar melhor as provas, mas também porque adorava a informação, a mística, os eventos e tudo o que mais cercava esse mundo de corridas de montanha. 

Como eu disse, eu não conheci pessoalmente o Orlando. Mas não precisei conhecê-lo, embora tenha certeza que seria um grande prazer encontrá-lo fisicamente para saber de tudo isso. Porque o Orlando não só sabia, como ele também adorava compartilhar esse saber. O maior conhecimento que o Orlando tinha sobre o mundo trail era saber escrever, compartilhar, conversar e divulgar tudo o que conhecia a respeito, justamente para fazer com que tudo isso chegasse e apaixonasse mais pessoas pelas montanhas.

O Orlando era uma referência e uma enciclopédia do mundo trail para todos os atletas. Dos mais novatos e inexperientes até os mais consagrados, todos sabiam que poderiam procurá-lo para tirar uma dúvida, contar uma história ou  compartilhar um “causo” sobre uma prova, um lugar, uma montanha, um equipamento ou algo ligado à vida trail.

Eu não conheci o Orlando pessoalmente, não sei como era a sua risada ou sua voz, conheci apenas seus textos, suas dicas, suas análises e as impressões que seus amigos tinham dele. E justamente por isso lamento não tê-lo conhecido e já tenho saudades do que não vi, porque esse pouco que conheci era excelente, inteligente, interessante e instigante.

O mundo trail é enorme, vasto, existem provas e montanhas em todos os lugares do mundo e o Orlando parecia conhecer todas. E quem conhecia o Orlando acabava conhecendo tudo isso também, porque o que era dele era de todos. A sua sede de vida e conhecimento era proporcional à sua sede de informar e compartilhar essas informações com quem se interessasse por isso. 

Eu não conheci o Orlando. Talvez até esteja errado sobre ele em uma impressão aqui ou ali. Mas é como se o tivesse conhecido, por todas as lições que ele deixou neste mundo e que vão se perpetuar na memória de quem o conheceu. Talvez sem saber ele fosse o melhor professor, o melhor jornalista, o melhor aluno e o melhor leitor que o mundo trail pudesse ter, tudo isso ao mesmo tempo.

É uma pena que não tenha conhecido o Orlando. Mas que bom que o conheci.

*Ricardo Nishisaki é ultramaratonista

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Sobre Iúri Totti 1379 Artigos
Iúri Totti é jornalista, com mais de 30 anos de experiência na grande imprensa, principalmente na área de esportes. Foi o criador das sessões “Pulso” e “Radicais” no jornal O Globo. Tem 13 maratonas, mais de 50 meias maratonas e dezenas de provas em distâncias menores. "Não me importo em ser rápido. A corrida só precisa fazer sentido, dar prazer."