Uma inovação no Mundial de Atletismo de Doha, no Qatar, está causando polêmica entre os atletas. Para aproximar os telespectadores da ação dos competidores, a Federação Internacional de Atletismo (IAAF) instalou duas câmeras em cada bloco de partida para capturar o que chama de “explosão de energia” de atletas, mirando as pernas e olhos dos corredores. Mas nem todos estão gostando.
– Não estou muito interessado nisso, porque está invadindo meu espaço privado em certo sentido”, disse à agência AP a sul-africana Akani Simbine, que terminou em quarto lugar na final dos 100m, no último sábado de sábado. – Estar nos blocos é um dos espaços sagrados do atleta e é esse o ponto em que você só quer ficar sozinho e ser livre. Você tem uma câmera na cara e não quer realmente ter uma câmera na cara.
O americano Justin Gatlin, ouro nos 100m nas Olimpíadas de Atenas-2004 e no Mundial de Londres-2017, se disse preparado para câmeras que capturavam imagens suas em novos ângulos.
– Eu me assegurei de usar minha cueca da sorte – brincou o medalha de prata em Doha.
Federação alemã se queixa
Para outros, a invasão de privacidade não era motivo de riso. A reação contra os ângulos vindos do bloco de partida começou assim que os atletas tiveram suas imagens divulgadas.
– Meus amigos me disseram que as imagens não eram muito lisonjeiras – disse a britânica Dina Asher-Smith, ouro nos 200m e prata nos 100m no Mundial de Doha.
A Federação Alemã de Atletismo fez uma queixa oficial à Federação Internacional de Atletismo (IAAF). Isso levou os organizadores da competição a rever o uso das câmeras que foram introduzidas em Doha como parte de um esforço tecnológico para atrair novos espectadores. Outra novidade para a TV é o escurecimento da pista antes das provas para a projeção gráficos nas raias.
– Observamos algum feedback específico sobre as câmeras de bloco e confirmamos que temos medidas apropriadas para proteger a privacidade dos atletas durante o processo de seleção de imagens para transmissão – afirmou a IAAF em comunicado. – Também temos diretrizes editoriais rígidas para o que é transmitido e elas são observadas desde o início dos campeonatos.
Mais próximos dos fãs
Nem todos os atletas se opuseram à novidade.
– É muito legal para que nossos fãs vejam o que acontece nos blocos de partida – disse o canadense Andre de Grasse, medalha de bronze na final das 100, atrás do campeão americano Christian Coleman e de Gatlin, que ficou surpreso ao ser informado por um espectador que seus olhos estavam fechados na largada. – Mas não pode se distrair com isso. É preciso estar concentrado na sua corrida e não olhar muito para a câmera.
Já o pai e treinador do italiano Filippo Tortu também observaram que o velocista fechava os olhos no momento da largada no Estádio Internacional de Khalifa.
– Ele não sabia que eu largava com os olhos fechados – disse o italiano. – Ele viu na câmera e disse: ‘Você é o único no mundo que faz isso. Por quê?’. Mas acho que é muito positivo ter essas imagens mostradas pela TV. É importante para nós.
O velocista britânico Zharnel Hughes achou interessante a iniciativa, mas não gostou do barulho vindo da câmera.
– Às vezes você ouve a câmera dentro dos blocos – disse ele. – É um recurso interessante, mas é um pouco assustador ao mesmo tempo, porque está olhando para o nosso nariz. Você não está olhando para a câmera, mas sabe que está lá porque ouve seu funcionamento.
- Inscrições abertas para a Corrida de São Silvestre
- Maratona do Rio 2020 terá o mesmo percurso de 2019
- Leia o Corrida Informa também no portal do Lance
Para o campeão dos 100m, a iniciativa em oferecer novos ângulos para os telespectadores é válida, mas tem pouco valor, pois, para ele, a competição não é somente um espetáculo.
– As pessoas querem ver corridas competitivas – disse Coleman, depois de conquistar o título mundial dos 100m. – É isso que realmente promoverá o esporte.
Iúri Totti é jornalista, com mais de 30 anos de experiência na grande imprensa, principalmente na área de esportes. Foi o criador das sessões “Pulso” e “Radicais” no jornal O Globo. Tem 13 maratonas, mais de 50 meias maratonas e dezenas de provas em distâncias menores. “Não me importo em ser rápido. A corrida só precisa fazer sentido, dar prazer.”